Uma das piores maneiras de encarar uma disputa é sobrevalorizar os prognósticos favoráveis. Hoje, boa parte das estimativas aponta a derrota do presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022 como muito provável. Estes vaticínios sufragam a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou do moderado desconhecido.
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Quem acompanhou Os Divergentes durante a campanha eleitoral de 2018 se deu conta, ainda no primeiro semestre, que o capitão-mor era mais do que uma aposta excêntrica. Antes da campanha eleitoral, o então candidato do PSL, desprezado pela maioria dos analistas, já se mostrara o candidato disponível para derrotar o petismo. Lula é expert em ganhar eleições, mas Bolsonaro não é amador.
Empate espontâneo
Neste momento, os melhores indicadores quantitativos para as eleições presidenciais do próximo ano são as manifestações espontâneas e a rejeição coletadas nas pesquisas de intenção de voto – e não as pesquisas estimuladas. As espontâneas mais recentes apontam diferença de 5 a 8 pontos percentuais a favor de Lula. Ambos são muito rejeitados, mas Bolsonaro ultrapassa os 50%, o que, em tese, indica que, no segundo turno, ele não alcançaria os 50% + 1 de votos necessários para se reeleger.
Não é possível esperar previsibilidade dum sujeito da índole do presidente da República. Até aqui, porém, o recuo representado pela Declaração à Nação, assinada por Bolsonaro e escrita pelo ex-presidente Michel Temer, está valendo. Pode ser estratégia para maquinar o golpe, mas mostrou que ele está se mexendo no campo da legalidade.
A recondução do presidente da República ao segundo mandato consecutivo é o evento mais comum. Desde a redemocratização, todos os mandatários que tentaram a reeleição no Brasil venceram. Em democracias longevas como a norte-americana este fato é igualmente o esperado. Desconsidere Venezuela e Hungria, modelos para o petismo e o bolsonarismo.
Erário, pra que te quero
O hodierno presidente nunca mostrou disposição em adotar uma política de governo. Sua preocupação passou longe dos assuntos macro que interessam todos os brasilianos – economia, educação e saúde. Dedicou-se a temas setoriais, como leis de trânsito, porte de armas e garimpo, além de fustigar homossexuais (uma obstinação que geralmente acomete pessoas mal resolvidas) e prescrever a cloroquina para combater a covid-19.
Como principal administrador do Brasil, ele deve continuar desinteressado por temas estruturais que podem tirar o País da paralisia socioeconômica. Suas últimas ações têm nítido caráter eleitoreiro. Quer dobrar o valor do Bolsa Família (rebatizado de Auxílio Brasil), agradar os caminhoneiros e atrasar os pagamentos de dívidas (precatórios) – e, com este retardo, represar reais para gastos eleitoreiros. Como ainda restam 11 meses para as eleições, o presidente da República tem muito tempo para engendrar outras “bondades”.
Economistas preveem que, com a irresponsabilidade fiscal chancelada pelo colapsado Posto Ipiranga, o Brasil verá inflação, juros e dólar nas alturas, o que deve legar um país “em frangalhos” a partir de 2023, nas palavras de Alfredo Setubal, um dos donos do Itaú. As previsões para o crescimento econômico de 2022 encolheram. Bolsonaro jogará, assim, contra o tempo.
As bondades já anunciadas somadas a outras que sua caneta providenciará nos próximos meses terão que provocar efeito positivo junto ao eleitorado antes e caso as previsões fatalistas se consumarem. Em outras palavras, se pobres e miseráveis, principalmente os do Nordeste, tiverem tempo de gastar os R$ 400 do novo benefício antes que a inflação aniquile seu poder aquisitivo, Bolsonaro poderá roubar parte dos votos lulistas.
Dois comentários transversais sobre o novo Bolsa Família, que irá dobrar de valor. (1) Com ele, Bolsonaro cria uma armadilha para o próximo mandatário do Brasil. Assim como é politicamente dificílimo desativar o Bolsa Família estruturado por Lula, quem terá coragem de reduzir o valor deste benefício em 2023? (2) Enquanto isto, liberais condenam os efeitos fiscais nocivos do novo gasto. Num país que abre mão de R$ 356 bilhões em tributos (gasto tributário) e paga salários acima do teto de R$ 39,2 mil mensais a juízes e procuradores, é cínico culpar o novo auxílio pelo rombo nas contas públicas.
Voto consciente ou interesseiro?
O estoque bélico não acaba aí. Quando a campanha começar o presidente tratará de refrescar a memória rala do eleitor brasiliano, relembrando-o dos malfeitos em série do petismo, como a corrupção recorde (desvendadas pelas investigações do Mensalão e da Lava-Jato). Contará, também, com o medo que a pauta de costumes, encampada pelo PT, provoca em parcela significativa dos brasileiros. Por fim, caso garanta as vacinas necessárias e pare de dizer sandices, o abrandamento (ou o fim) da pandemia, depois de dois anos de aflições mortais, provocará euforia que costuma beneficiar quem está no comando.
Claro que o Bolsonaro de 2022 não será o personagem mítico de 2018, que encarnava o combate à corrupção, a preservação da família tradicional, o fim do petismo e a adoção do liberalismo, demagogias que tapearam crédulos e incautos. Para chegar ao segundo turno, porém, ele precisa de mais alguns pontos percentuais além da massa de sequazes que já o seguem. Afinal, se malfeitos fossem impeditivos para que o eleitor desprezasse políticos, o PP de Arthur Lira, o PSDB de Aécio Neves, o MDB de Edison Lobão e o PT de Gleisi Hoffmann nunca se reelegeriam.