Se tem um país traumatizado com impeachments, esta terra é o Brasil. Houve pedidos para depor todos os presidentes pós-redemocratização.
Dois deles, Fernando Collor e Dilma Rousseff, sucumbiram. A boa notícia é que os sucessores de ambos não fizeram feio.
Itamar Franco, que assumiu no lugar de Collor, deixou o Plano Real, herança bendita até hoje. Michel Temer, herdeiro da desordem provocada por Dilma, consertou boa parte da barafunda econômica em menos de dois anos – tempo que lhe restou depois das investidas heterodoxas do procurador-geral da República, aquele que queria disparar contra um ministro da Suprema Corte.
Portanto, num momento em que novamente se fala em impeachment, há esperança.
Não, o alvo desta crônica não é pregar a deposição do hodierno mandatário, Jair Bolsonaro. Mas resumir as condições para um impeachment prosperar – contribuição de quem acompanhou de perto as duas traumáticas quedas, de Collor e Dilma.
Economia, política & povo
Três são as condições políticas sine quibus non para depor um mandatário eleito no Brasil seguindo as regras constitucionais. Esqueça a ladainha do “golpe”. Os dois impeachments no Brasil seguiram integralmente a Constituição, portanto, atenderam à legalidade.
Primeiro, é indispensável uma grave crise econômica. A população deve estar convencida de que o mandatário não vai dar conta de conduzir o país à prosperidade e, por isto, os cidadãos vão perder emprego e renda.
Segundo, o presidente perde apoio maciço no Parlamento. A queda de sustentação deve ser amplamente majoritária, bem acima da maioria absoluta.
Terceiro, os cidadãos manifestam claramente que não confiam mais no presidente da República. De um lado, muita gente pedindo a deposição. Do outro, quase ninguém apoiando a permanência do presidente.
Nenhuma destas condições está estabelecida. Algumas condicionantes, porém, vão se sedimentando.
A quarta condicionante
Há uma quarta condição que sempre se estabeleceu, geralmente em proporção menor. Desta vez, ela seria decisiva.
Logo após a morte de Tancredo Neves, em 1985, o primeiro presidente eleito fora dos quartéis-generais desde o golpe militar de 1964, houve um vácuo inesperado. Assumiria José Sarney, o vice-presidente eleito pelo colégio eleitoral, ou Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados e também fiador da transição à democracia?
Os militares foram, então, consultados, e Sarney assumiu a presidência da República. O general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército indicado por Tancredo, foi decisivo para afiançar apoio ao vice egresso da Arena.
Ulysses, do lado civil, igualmente chancelou o vice como novo presidente do Brasil. O inesperado mandatário, porém, governou cinco anos sob a tutela do deputado de Rio Claro, como o próprio Sarney queixou-se a este repórter em 1989.
Depois, tanto nos impeachments de Collor como de Dilma, os milicos foram ouvidos. Nas duas situações, não ofereceram resistência à deposição.
Um general no poder
E agora? A situação é bastante diferente.
Depor Bolsonaro é depor os generais que o rodeiam? Aprovar o impeachment de Bolsonaro é reprovar os milicos que saíram dos quartéis para governar o Brasil?
Quem estiver arquitetando o impeachment do capitão-mor, depois de preenchidas as três condições clássicas, por assim dizer, para um país que se acostumou a depor mandatários eleitos, deverá acrescentar a quarta condicionante. Alguém terá que se dirigir ao Forte Apache, como é conhecido o quartel-general do Exército, em Brasília, e consultar a turma de farda para seguir em frente.
O facilitador é o vice-presidente, general Hamilton Mourão. Se aceitarem depor Bolsonaro, os generais continuarão no poder. Só que, em vez de um capitão rebelde, terão no comando um general quatro estrelas como presidente legitimamente eleito.
Quer dizer, um general do Exército, grupo que lidera as Forças Armadas, terá retornado ao poder pelo voto de 57,7 milhões de brasilianos. Nada mal para quem carrega o anátema de ter desmandado no Brasil por 21 anos durante a ditadura militar.
Atendidas todas estas condições, restará consultar os 11 ministros da Corte Suprema. Eles, que certamente serão acionados, terão que garantir a legalidade da deposição.
Sim, leitor, as nuvens da tormenta que seria um novo impeachment estão se formando. Mas ainda estão muito distantes, confundindo a sucessão de 2022.