Haja coração. Apenas o domingo dirá se houve ou não a histórica e, sobretudo, improvável virada no segundo turno presidencial. Haja o que houver, contudo, o saldo da última semana de campanha é positivo, até animador. Algo se mexe na sociedade que parecia, intoxicada por uma superdose de Dormonid, seguir em passos de autômato rumo ao abismo do autoritarismo. Vimos que não é bem assim, e que a própria sociedade poderá impor limites ao governo Bolsonaro, se houver, se as instituições amarelarem.
Nem no quesito instituições dá para desanimar completamente. Vimos que, se a Justiça Eleitoral anda tímida e pouco eficaz para combater abusos, o Supremo Tribunal Federal mostrou que pode subir nas tamancas diante de arroubos autoritários. O decano Celso de Mello, seguido por ministros como Alexandre de Moraes e Marco Aurélio, reagiu duramente à divulgação das ameaças do filho de Jair Bolsonaro de fechar o STF com um cabo e um soldado. O presidente do STF, Dias Toffoli, viu-se constrangido a fazer nota oficial de protesto e o pai pediu desculpas.
Palavras são palavras, mas a sequência da semana mostra que, em diversos setores, o eleitor começou a reagir ao discurso autoritário do candidato do PSL – o mesmo que prece ter encantado tanto no primeiro turno. O Datafolha desta quinta-feira mostrou, por exemplo, que mesmo os setores mais escolarizados se apavoraram com o discurso em que Bolsonaro ofereceu aos “vermelhos” opções como a cadeia ou a fuga do país, entre outros arroubos.
Ao fim e ao cabo, a última semana de campanha termina com Bolsonaro voltando atrás em promessas e compromissos estapafúrdios como o de retirar o Brasil do acordo de Paris e incorporar a pasta dos defensores do meio ambiente à dos comandantes do agribusiness. Ele botou também o pé no freio do discurso mais radical. São recuos positivos, de quem talvez esteja começando a botar os pés no chão.
Na conta dos absurdos, vimos tribunais regionais eleitorais fazerem operações em universidades públicas para arrancar faixas contra o facismo. Para que. Se lembra das trevas do regime militar e suas investidas contra os estudantes, um belo jeito de confirmar o voto em Haddad. A reação das comunidades acadêmicas, porém, nos permite supor que, se na segunda-feira o presidente da República for Jair Bolsonaro, ele se verá diante de um possível ressurgimento do movimento estudantil.
Pode ser otimismo exagerado, mas os movimentos de última hora na corrida eleitoral mostram que ao menos uma parte do país tem memória e está acordando – para o que der e vier, mesmo num governo Bolsonaro.