Sem âncora política, não há âncora fiscal

Alguém acredita que o governo Lula enviará ao Congresso um profundo arrocho nas despesas, sem prever exceções?

Plenário da Câmara dos Deputados - Foto Elaine Menke/Câmara dos Deputados

No cafezinho anexo ao plenário da Câmara, deputados avaliavam, semana passada, que a âncora fiscal aparentemente enxuta e de perfil conservador elaborada pela equipe da Fazenda tem boas chances de passar na Casa. “O que não sabemos é se passa no Planalto”, atalhou um deles, em tom de ironia, traduzindo uma impressão que se tornou mais forte na sexta-feira: a ala política do PT e do governo — e possivelmente o próprio Lula — estão defendendo mudanças na proposta para flexibilizar a regra de contenção de gastos.

Ministro Fernando Haddad – Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ou alguém acredita que o governo Lula enviará ao Congresso um profundo arrocho nas despesas, sem prever exceções? Quem viu o desenho inicial feito pela equipe de Fernando Haddad define a regra como equilibrada, mas obediente aos cânones da ortodoxia. Difícil imaginar que não seja lembrada, na discussão interna, a promessa do presidente da República de incluir os pobres no orçamento — o que significa inserir uma marca social no mecanismo.

Relatos da reunião do presidente com ministros na sexta-feira jogam no colo do chefe da Casa Civil, Rui Costa, as principais intervenções defendendo flexibilidade nos gastos em programas sociais e obras geradores de emprego. Opinião, aliás, já expressa pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, nas redes.

Rui Costa – Foto pt.org.br

Por ora, o script desse debate se assemelha bastante ao do embate em torno da desoneração dos combustíveis — no qual Lula, seguindo seu estilo de tomar decisões, colocou auxiliares em confronto para depois entrar  como árbitro. Dessa vez, porém, aliados do presidente acreditam que Rui Costa estaria verbalizando dúvidas e opiniões do chefe ao questionar Haddad sobre pontos da proposta. 

Na próxima etapa do debate, em nova reunião, o projeto terá que ser calibrado, definindo-se o que fica e o que sai do limite de gastos. Desse acordo entre alas do PT e do governo dependerá sua aprovação pelo Congresso — e os efeitos da âncora fiscal junto ao mercado e agentes econômicos.

Ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet e o vice-presidente, Geraldo Alckmin – Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

Afinal, sem âncora politica, não há âncora fiscal. Entre as pressões do PT para afrouxar o arcabouço, e o ambiente quase hostil do  Congresso conservador onde o Planalto ainda luta para ter maioria, Haddad já vinha tentando pavimentar o caminho antes da divulgação pública do projeto. Foi buscar apoio da ala não petista do governo — Simone Tebet (Planejamento) e o vice Geraldo Alckmin (MDIC), que gostaram do desenho inicial. Obteve também sinal verde do presidente da Câmara, Arthur Lira, com quem jantou na quarta.

Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira — Foto TV Brasil

Uma aliança Lira-Haddad seria impensável meses atrás — mas hoje pode ser caminho para aprovação do arcabouço fiscal no Legislativo. No mínimo, um elemento a se considerar na negociação dentro do governo. Se ficar flexível demais, o projeto perde o apoio de Lira e dos amigos da Faria Lima. Nesse caso, o risco é acabar desfigurado, à revelia do Planalto, tornando-se uma camisa-de-força a amarrar gastos e inviabilizar o cumprimento das promessas do presidente.

A variável ainda desconhecida dessa equação é até onde Lula vai ceder nessa negociação, para um lado e para outro. Obter o equilíbrio será mais um teste para sua decantada capacidade de articulação: manter a essência da regra de controle dos gastos para que ela obtenha a credibilidade necessária, mas excluir alguns investimentos com impacto social. Não agradará a todos, mas se formar maioria em torno dessa fórmula poderá virar a página e cumprir as promessas que fez ao eleitorado.

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