No cafezinho anexo ao plenário da Câmara, deputados avaliavam, semana passada, que a âncora fiscal aparentemente enxuta e de perfil conservador elaborada pela equipe da Fazenda tem boas chances de passar na Casa. “O que não sabemos é se passa no Planalto”, atalhou um deles, em tom de ironia, traduzindo uma impressão que se tornou mais forte na sexta-feira: a ala política do PT e do governo — e possivelmente o próprio Lula — estão defendendo mudanças na proposta para flexibilizar a regra de contenção de gastos.
Ou alguém acredita que o governo Lula enviará ao Congresso um profundo arrocho nas despesas, sem prever exceções? Quem viu o desenho inicial feito pela equipe de Fernando Haddad define a regra como equilibrada, mas obediente aos cânones da ortodoxia. Difícil imaginar que não seja lembrada, na discussão interna, a promessa do presidente da República de incluir os pobres no orçamento — o que significa inserir uma marca social no mecanismo.
Relatos da reunião do presidente com ministros na sexta-feira jogam no colo do chefe da Casa Civil, Rui Costa, as principais intervenções defendendo flexibilidade nos gastos em programas sociais e obras geradores de emprego. Opinião, aliás, já expressa pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, nas redes.
Por ora, o script desse debate se assemelha bastante ao do embate em torno da desoneração dos combustíveis — no qual Lula, seguindo seu estilo de tomar decisões, colocou auxiliares em confronto para depois entrar como árbitro. Dessa vez, porém, aliados do presidente acreditam que Rui Costa estaria verbalizando dúvidas e opiniões do chefe ao questionar Haddad sobre pontos da proposta.
Na próxima etapa do debate, em nova reunião, o projeto terá que ser calibrado, definindo-se o que fica e o que sai do limite de gastos. Desse acordo entre alas do PT e do governo dependerá sua aprovação pelo Congresso — e os efeitos da âncora fiscal junto ao mercado e agentes econômicos.
Afinal, sem âncora politica, não há âncora fiscal. Entre as pressões do PT para afrouxar o arcabouço, e o ambiente quase hostil do Congresso conservador onde o Planalto ainda luta para ter maioria, Haddad já vinha tentando pavimentar o caminho antes da divulgação pública do projeto. Foi buscar apoio da ala não petista do governo — Simone Tebet (Planejamento) e o vice Geraldo Alckmin (MDIC), que gostaram do desenho inicial. Obteve também sinal verde do presidente da Câmara, Arthur Lira, com quem jantou na quarta.
Uma aliança Lira-Haddad seria impensável meses atrás — mas hoje pode ser caminho para aprovação do arcabouço fiscal no Legislativo. No mínimo, um elemento a se considerar na negociação dentro do governo. Se ficar flexível demais, o projeto perde o apoio de Lira e dos amigos da Faria Lima. Nesse caso, o risco é acabar desfigurado, à revelia do Planalto, tornando-se uma camisa-de-força a amarrar gastos e inviabilizar o cumprimento das promessas do presidente.
A variável ainda desconhecida dessa equação é até onde Lula vai ceder nessa negociação, para um lado e para outro. Obter o equilíbrio será mais um teste para sua decantada capacidade de articulação: manter a essência da regra de controle dos gastos para que ela obtenha a credibilidade necessária, mas excluir alguns investimentos com impacto social. Não agradará a todos, mas se formar maioria em torno dessa fórmula poderá virar a página e cumprir as promessas que fez ao eleitorado.