Os atos golpistas de domingo jogaram a popularidade digital de Jair Bolsonaro no pior nível dos últimos quatro anos — tem 21 pontos numa escala de 100, na qual chegou a 88 em outubro passado, segundo a Quaest. Num contexto de forte reação do poder público contra terroristas, financiadores e mandantes — como parece que vai ocorrer — e de inédita união das maioria esmagadora das forças políticas em torno da democracia, encarnada na figura do presidente Lula, o mau momento de Bolsonaro deve ser explorado. Se antes, porém, dar a volta por cima num cenário digital desfavorável, que o presidente não conseguira reverter, era uma questão de disputa política, agora passa a ser de sobrevivência. A ocupação do território no qual se articulam os movimentos golpistas passa a ser requisito para preservação da própria democracia.
Ao menos nas redes, Lula não desfrutou da tradicional lua-de-mel dos governantes recém-eleitos. Enquanto as bolhas democráticas comemoravam e trocavam vídeos sobre a festa da posse, o bolsonarismo articulava, nas mesmas redes, os atos terroristas de domingo. As convocações para a “festa da Selma” (uma alusão ao grito militar de Selva!), e hashtags importadas da direita americana como #brazilianspring, não passaram despercebidas, mas parecem ter sido subestimadas nos monitoramentos governistas.
Bolsonaro se desgastou e o golpe deu errado. Mas a máquina de fazer mentiras do bolsonarismo está de pé, aparentemente intacta e atacando. Nas horas subsequentes à prisão dos manés golpistas que depredaram os Três Poderes, propagaram narrativas mentirosas como a de que havia morrido uma manifestante idosa presa — usaram a identidade de uma senhora falecida há anos, mas a lorota se propagou, assim como, na semana passada, muita gente acreditou que Lula não havia subido a rampa e que o país estava sendo governado pelo general Heleno. Mentiras de que os golpistas detidos estavam sendo tratados em condições desumanas também tomaram as redes e serviram de pretexto para manifestações indignadas de políticos da extrema direita, como o general-senador Hamilton Mourão.
E é desse jeito que as coisas andam, apesar das duras medidas tomadas pelos três poderes vilipendiados: a máquina bolsonarista opera a todo o vapor e ainda controla um número significativo de corações e mentes. Basta olhar uma outra pesquisa divulgada nesse pós-terror: levantamento Atlas divulgado nesta terça-feira mostra que 75,8% discordam da ação dos golpistas e 53% consideram injustificada a invasão dos prédios dos poderes da República. Isso quer dizer, porém, que temos 18,4% das pessoas que dizem concordar com os golpistas e, pior, 27,5% que vêem a invasão como “justificada parcialmente” e 10,5% como “completamente justificada”.
Diante da barbárie ocorrida, da ampla cobertura da mídia e da forte reação das instituições, é preocupante constatar que o golpismo tem lá seu núcleo duro de cerca de 20% da população. E que, mais espantoso ainda, Bolsonaro não é considerado responsável pelos ataques por 42% das pessoas.
A batalha foi vencida, mas a guerra está longe de ser ganha. No território digital, além de aprimorar os serviços de monitoramento, é urgente traçar uma estratégia de mobilização total, que deve funcionar de forma transversal em todo o governo, e não apenas na área da comunicação.
Do lado certo da história, o presidente Lula tem uma narrativa legítima e consistente a ser trabalhada para dialogar com boa parte daqueles 49% que votaram em Bolsonaro mas prezam a democracia — e o caminho das redes, sempre usado pelo bolsonarismo, pode ser o mais efetivo para se chegar até eles. Depois do Capitólio tupiniquim, passou a ser possível isolar os golpistas da extrema-direita em seu próprio território.