Quem conhece CPIs sabe que a da Covid no Senado entrou agora numa fase importante, que precisa consolidar com provas documentais o que já foi revelado em depoimentos mais ou menos bombásticos – ou seja, que o governo Bolsonaro cometeu crimes comuns e de responsabilidade no enfrentamento da pandemia. A quebra de sigilos telefônicos e telemáticos deve revelar muita coisa, mas a temporada dos vazamentos de documentos, na verdade, já começou. E está recebendo uma ajuda tão providencial como inesperada do STF.
Na semana passada, CPI e STF começaram a dialogar – se não presencial e oficialmente, em hipotéticos encontros entre seus membros, ao menos documentalmente. A decisão do ministro Alexandre de Moraes de suspender o sigilo das provas do inquérito que apura o estímulo a manifestações anti-democráticas foi uma reação à tentativa do PGR, Augusto Aras, de fulminar o caso com um pedido de arquivamento por falta de provas. Só que elas, ao que parece, existem – e podem ir mais longe, incriminando as forças bolsonaristas, se lidas em conjunto com o que a CPI está apurando.
Um dos documentos que integra o inquérito do STF, por exemplo, dado pelo jornal O Globo no fim de semana, é um relatório da PF com conversas do ex-secretário da Secom, Fabio Wajngarten, com blogueiros e outros interlocutores sobre o direcionamento de recursos publicitários para veículos e blogs amigos do governo. No pacote, há ainda indícios de que a verba publicitária destinada a esclarecer a população sobre os cuidados com a Covid foi usada para fazer mera propaganda do governo e, pior, para custear anúncios sobre tratamento precoce contra a doença, desautorizado pela medicina.
No vértice das duas investigações, Wajngarten será provavelmente chamado a depor de novo na CPI sobre as contradições identificadas entre o que ele falou no primeiro depoimento e o que os documentos vêm mostrando. É possível que, assim como o ex-ministro Eduardo Pazuello, o ex-secretário esteja entre os investigados da Comissão, deixando de ser meras testemunhas. No STF, também pode acabar indiciado.
Do ponto de vista político, nada indica que as descobertas da CPI ou do inquérito do STF possam levar ao afastamento de Jair Bolsonaro do cargo por impeachment ou processo por crime comum, antes das eleições do ano que vem. Além do Centrão, que o sustenta na Câmara, ele deve continuar contando com a inestimável ajuda de Aras — que deverá ser reconduzido no cargo em setembro. Do desgaste, porém, ninguém vai livrá-lo.