O que fazer? Às vezes, nessas horas, dá vontade de fingir que não ouvimos, voltar para a cama e se esconder embaixo das cobertas. Mudar de assunto, desligar a TV, quem sabe ir ao mercado, ou ao banco. Mas não dá. O presidente da República acaba de dizer numa solenidade que democracia e liberdade só existem quando as Forças Armadas o querem. Tá certo, daqui a algumas horas o Planalto faz uma nota esclarecendo, ou o general Mourão explica que não é bem isso que ele quis dizer, que não se trata de qualquer ameaça…
Mas ele disse, do mesmo jeito que já disse que não houve ditadura, que aprovava a tortura, que o coronel Brilhante Ulstra foi um herói. Com a mesma impetuosidade que postou um vídeo pornográfico no Carnaval para criticar a degeneração dos costumes nos blocos foliões.
Jair Bolsonaro assumiu a presidência da República há menos de três meses, mas o conjunto da obra vai ficando muito preocupante. Ainda que o presidente tenha sido eleito pelo voto direto, que aparentemente as instituições da democracia representativa estejam funcionando e que saibamos que, no próprio governo, tem gente séria comprometida com a preservação da democracia – inclusive gente fardada.
Mas serão quatro anos assim, com sustos, desmentidos e novos sustos a cada dia? O que se observa é que o presidente eleva o tom sempre que se irrita, e se irrita muito facilmente com críticas e opiniões contrárias. O vídeo foi postado, muito provavelmente, porque Bolsonaro se sentiu ofendido com as sátiras carnavalescas. A frase de hoje possivelmente poderá ser atribuída à reação extremamente negativa à postagem na mídia e nas redes. O presidente achou por bem lembrar os navegantes com quem conta em caso de enfrentamento.
Vale repetir: vamos viver assim pelos próximos três anos e nove meses que restam? Difícil. A primeira consequência política de um clima de insegurança em relação ao que o primeiro mandatário do país vai fazer daqui a cinco minutos é a paralisação de todas as ações e negociações que dependam de outros poderes e instituições. Para quem ainda tem que formar uma base parlamentar para votar a Previdência, então, isso é um desastre.
Nos bastidores de Brasília, onde começam a chegar foliões assustados, muitos começam a achar que, depois do Carnaval que passou, a situação da reforma da Previdência ficou muito mais complicada.