O pêndulo da crise volta esta semana à chamada área aloprada do governo. Sob a vigilância do general Hamilton Mourão, o chanceler Ernesto Araújo enquadrou-se à orientação dos militares, que não querem nem ouvir falar de se meter em intervenção militar na Venezuela. Em Genebra, Damares Alves levou aos representantes da ONU sua agenda regressiva. Quem caprichou foi Vélez Rodriguez, da Educação, com sua carta às escolas para que as crianças sejam filmadas cantando o Hino Nacional.
Um parênteses. Cresci durante o regime militar e me recordo, desde a mais tenra infância, desses rituais de hasteamento da bandeira, Hino Nacional e aulas de moral e cívica. Talvez por presenciar, fora da escola, na família e entre amigos, a repressão da ditadura, confesso que tomei horror aos símbolos pátrios. Cantava o Hino errado de propósito, cutucava os coleguinhas, fazia piada na hora da solenidade…
Só fui gostar – posso dizer hoje, amar – e respeitar os símbolos da minha pátria na vida adulta, depois de entender que nem eles, e nem os militares de modo geral, deveriam ser responsabilizados por tudo que acontecera naqueles anos de chumbo. Passei a adorar cantar o Hino, e até a me emocionar, quando não era mais obrigada a isso.
Não sei como as nossas crianças, nascidas na era digital, vão encarar essa obrigação de ficar perfilado cantando o Hino e repetindo que o Brasil está acima de tudo e Deus acima de todos. Está para alguns, não está para outros – e democracia é dar a cada um o direito de não se perfilar nem cantar, se não quiser.
A orientação cívica de Vélez Rodríguez tem tudo para não ser cumprida, até porque é ilegal filmar crianças sem autorização dos pais. Deve passar como mis um episódio bizarro de um governo bizarro – assim como alguns discursos do chanceler e certas posições dsa Damares.
Possivelmente, esse episódio, que prenuncia preocupante vocação para cultuar símbolos de velhas ditaduras, acabará no folclore das dezenas de recuos desse governo. Mas terá sua função: distrai a platéia enquanto o circo pega fogo na Venezuela e os governistas batem-cabeça em torno da reforma da Previdência.