Michel Temer já avançou, recuou, desistiu e desistiu da desistência várias vezes em seu governo, que acaba amanhã. Em quase todas, a ginástica teve o objetivo de salvar a própria pele, e foi bem sucedida. Afinal, são raros os casos de presidentes que conseguem escapar a duas votações de pedidos de impeachment pela Câmara no espaço de poucos meses. Mais raro ainda, certamente inédito, é o chefe do Executivo conseguir chegar ao último dia de seu mandato constitucional – para o qual sequer foi eleito – sendo alvo de três denúncias da Procuradoria Geral da República por corrupção.
Então, minha gente, é preciso reconhecer que Michel Temer, apesar dos pesares – e a impopularidade é só um deles -, é um gênio da raça no quesito sobrevivência. E não deve causar espanto que, até o último minuto do mandato, ele esteja agindo de olho nela. É isso, portanto, que está sendo levado em conta na decisão de não (pelo menos neste momento) assinar o indulto que poderia tirar milhares de presos da cadeia nessa virada do ano.
A última versão do texto, aquela que Michel quase assinou, excluía do benefício os crimes por corrupção. Ainda assim, beneficiaria muitos condenados que lotam o sistema carcerário e conta com o apoio da Defensoria Pública, de entidades de Direitos Humanos, de advogados e especialistas do Direito.
Por que o presidente perdeu a caneta na última hora? Porque, segundo amigos, não quer melindrar nenhum dos ministros do divididíssimo Supremo Tribunal Federal, que não conseguiu ainda chegar a uma conclusão sobre o indulto que ele concedeu no ano passado. Aliás, a maioria do STF já tomou posição favorável ao indulto, mas o lado perdedor não permitiu a conclusão do julgamento.
Na visão de alguns conselheiros do ainda presidente, editar um novo indulto sobre o antigo, que não teve ainda sua validade referendada, poderia ferir suscetibilidades supremas – tudo o que Michel não quer e não pode fazer hoje. Afinal, duas de suas denúncias ainda estão lá, aguardando a terça-feira, quando ele perde o foro de presidente da República. Em tese, esses casos serão remetidos à primeira instância. A forma e a velocidade com que isso vai acontecer – bem como a decisão sobre o destino da terceira denúncia – vão depender, sobretudo, dos humores dos ministros do STF.
Michel, que vem conduzindo uma transição civilizada e até fidalga de governo para Jair Bolsonaro com o objetivo de manter boas relações com o futuro poder, já perdeu o medo de sair diretamente da rampa do Planalto para um camburão.
Ao que parece, estão sendo bem sucedidas as articulações que o presidente da República vem fazendo enquanto ainda está no cargo. O que se diz no establishment político-judicial é que são bastante remotas as chances de ele vir a ser preso no curto prazo. Depois,tem o tempo dos processos, as idas e vindas judiciais, a idade, etc.
Ainda que, do outro lado, no Brasil real, um monte de gente sem-indulto vá continuar trancafiada neste fim de ano.