O mundo político dedicou as últimas horas a tentativas de avaliar a entrada do fator Lula em cena. A decisão do STF sobre a prisão após a segunda instância, além de ser a maior derrota da Lava Jato até hoje, abre caminho para a libertação do ex-presidente depois de 580 dias de prisão. E sacode o quadro político, por mais que as forças do establishment tentem minimizar — essa será, aliás, sua primeira reação.
Nos últimos tempos, o Planalto e o entorno de Jair Bolsonaro trataram de passar a ideia de que, ao presidente, seria muito conveniente a liberdade do petista, polarizando o debate político e devolvendo a ele a condição de anti-Lula que viabilizou sua eleição. Pode ser, no sentido de isolar pré- candidatos de centro direita que começam a se assanhar, como João Dória, Luciano Huck ou Wilson Witzel.
Mas é precipitada a avaliação de que a saída de Lula da cadeia será boa para Bolsonaro, a quase três anos das eleições presidenciais. Sobretudo se Lula não entrar no jogo dele. Com o tirocínio político que todos conhecem, o ex-presidente já avisou que não fará inflexões políticas ao centro, mas em nenhum momento disse que dedicará seus dias a duelar com Bolsonaro.
Até porque, para duelar com Bolsonaro, Lula terá que baixar o nível e ser bastante agressivo, ressuscitando aquele personagem meio mal-humorado, que assustava as criancinhas, do início de sua carreira política. Esse não é mais Lula.
Ainda que o entorno do ex-presidente diga que ele não será só paz e amor, e fará duras críticas ao governo, tentando aglutinar as forças de oposição, ele poderá adotar um tom civilizado, mais ameno, colocando foco nos muitos problemas nacionais — e não numa disputa baixaria com o atual presidente da República.
Essa é a aposta de muita gente, dentro e fora do PT: o principal objetivo de Lula será percorrer o país e falar com os pobres. Lembrar aos 13 milhões de miseráveis contados pelo IBGE que nem sempre foi assim. Reavivar as lembranças dos 12 milhões de desempregados sobre um tempo em que tinham emprego. Rememorar a outros espécimes em extinção que fizeram diferença em suas vidas, como Minha Casa Minha Vida, FIES, Pro-Uni, Ciência sem Fronteiras…
Bolsonaro não é protagonista nesse cenário — a não ser como o sujeito que está desmantelando a pauta social. E, para mostrar isso, Lula não precisa duelar verbalmente com ele todos os dias. Nem trabalhar por seu impeachment, um movimento de consequência incertas. Pode ignorá-lo e falar com quem interessa.