Acuados pelas milícias digitais bolsonaristas, integrantes do Legislativo e do Judiciário preferem, algumas vezes, fingir que não vêem e tratar como abusos retóricos as ameaças do presidente da República às instituições da democracia. Talvez por isso, Jair Bolsonaro continue reincidindo, dando sempre um passo à frente no rumo do autoritarismo.
A turma dos panos quentes tem lá suas razões. Além de temer apanhar ainda mais nas redes, não quer elevar a temperatura ao nível de uma crise institucional, contrapondo poderes, de desfecho imprevisível. A arma máxima do Congresso é o impeachment, mas hoje dia — diferentemente do que ocorreu na destituição de Dilma Rousseff — seus dirigentes morrem de medo da palavra. Não só dela, mas da reação de um presidente com o perfil político e psicológico de Bolsonaro. Melhor não mexer com isso.
A questão é que já ficou mais do que clara a estratégia presidencial de jogar espuma para desviar as atenções de um governo crivado de problemas — da ligação com milicianos à incompetência na gestão, passando pela estagnação econômica — às custas da estabilidade política e institucional. Jair Bolsonaro quer puxar o Congresso para a briga, de preferência no meio da rua, tentando insuflar a torcida contra seus representantes.
Vindo de um presidente da República, tal estratégia — como a de enviar vídeo convocando para manifestação contra o Legislativo — é, sim um atentado contra a democracia. E deve ser tratado como tal. Será que o pessoal vai tomar coragem?
Um bom sinal nesta manhã foi a manifestação que veio do outro lado da rua, do decano do STF, Celso de Mello, que teve a coragem de dizer que Bolsonaro não está à altura do cargo se apoiou o ato contra o Congresso. Mello lembrou que tal atitude para configurar crime de responsabilidade — aquele que sujeita o presidente da República a processo de impeachment.
É possível que a ducha de água fria do decano desperte as demais instituições, que ainda parecem narcotizadas pelo carnaval nesta Quarta Feira de Cinzas. O próprio Bolsonaro parece ter acordado para a gravidade do assunto ao postar um tuite falando que suas mensagens no Whatsapp são “pessoais”.
Mas, se não houver reação à altura por parte dos maiores interessados — nos alvos da manifestação do dia 15 — o episódio tende a se repetir de forma perigosa e com consequências imprevisíveis.