Brasília amanheceu neste sábado enforcado de feriado sob o silêncio aterrador das grandes crises, quando os agentes políticos sempre esperam alguém falar primeiro antes de se manifestar. Os aliados do Planalto estão paralisados porque a entrevista do empresário Joesley Batista à Revista Época é devastadora, sobretudo para Michel Temer. E afunda o sistema político, seus protagonistas e partidos, no pântano da imprevisibilidade. Aquela impressão consolidada ao longo da semana, de que Temer governará até o fim de 2018, volta a se desvanecer.
São tantas as informações, detalhes e possíveis desdobramentos que é preciso, neste momento, observar por partes – até porque ninguém tem a menor ideia do que vai acontecer nos próximos dias. O que está saltando aos olhos:
<> Afinadinho com o MP, Joesley citou pelo menos meia dúzia de vezes o vocábulo Orcrim – sem contar as referências à organizações criminosas – num linguajar típico dos profissionais do Ministério Público. Isso deixa claro que combinou milimetricamente com os investigadores cada palavra do que disse – até os elogios aos próprios, segundo ele “rapazes novos, inteligentes bem intencionados”. Afinado com o MP, o empresário fulminou o presidente da República que vem usando instrumentos do governo para retaliar suas empresas, reforçando a denúncia que será apresentada pelo PGR contra Temer nas próximas semanas e tornando mais incerto o destino do peemedebista. Reduziu também Aécio Neves a pó. Mas, para agradar ao MP, não poderia deixar de fora o PT, que segundo ele, institucionalizou a corrupção nas estruturas de governo.
<> Mas Joesley livra a cara de Lula, pessoalmente, e tenta enredar Dilma. “Nunca tive conversa não republicana com o Lula. Zero. Tive com o Guido”, é um trecho da entrevista que certamente terá pouco destaque, mas ajuda o ex-presidente. Ao mesmo tempo, tenta fulminar Dilma – que, sabe, dificilmente voltará a ser presidente da República. Joesley Batista diz, numa resposta, que ela lhe pediu, no Planalto, 30 milhões para a campanha de Fernando Pimentel em 2014. Instado a detalhar, diz que ouviu da então presidente algo na linha de “pode fazer”, o que não parece ser um pedido.
<> Fernando Henrique se antecipou ao fato novo. Ninguém entendeu bem a súbita mudança de discurso do ex-presidente, que passou a pregar o desembarque, a renúncia e as diretas apenas três dias depois de o PSDB ter decidido continuar com o governo. Agora está explicado: bem informado e articulado, soube que vinha mais chumbo grosso contra Temer por aí. Veio. E agora o PSDB deve desembarcar.
<> É tão grave, mas tão grave, o conjunto da obra do que disse Joesley Batista à Época, acusando Temer de chefe da quadrilha e dando detalhes de sua relação com ele, que vai ficar difícil para os aliados do Planalto sustentar a estratégia de desqualificar as afirmações do empresário e questionar a autenticidade das gravações apresentadas. Mesmo a nota de Temer, com o anúncio de que vai processar Joesley, soa inócua. Tudo indica que a denúncia de Rodrigo Janot contra o presidente virá gorda e consistente, e que a situação até agora tranquila para rejeitá-la na Câmara pode virar até lá, motivada pelo fator opinião pública.
<> A viagem de Michel à Russia e Noruega a partir de segunda-feira sobe no telhado. Vai parecer fuga. Pior: quando voltar, daqui a uma semana, ele pode não encontrar mais a cadeira para sentar.