Quem diz o que quer, ouve o que não quer – e isso, no caso de um presidente da República, pode ser desastroso. Nos últimos três dias, Jair Bolsonaro comprou brigas que vão da Bruna Surfistinha – com a turma do audiovisual – aos governadores do Nordeste (chamados de “paraíbas”), passando por cerca de 5 milhões de brasileiros de cuja fome ele duvidou.
Quem age assim, sobretudo no cargo de primeiro mandatário do país, cria grandes problemas políticos – como a perda da interlocução com os governadores nordestinos, que reagiram de pronto com uma dura carta, e o inevitável desgaste de imagem junto à população mais pobre do país. Além de dizer que é mentira que haja gente com fome no Brasil porque não enxerga ninguém “esquelético” nas ruas, Bolsonaro criticou as bolsas que sustentam milhões de famílias brasileiras.
A questão da fome, aliás, foi abordada pelo presidente em café com jornalistas estrangeiros poucas horas depois de ele ter dito, numa live no Facebook, que ia, sim, beneficiar seu filho e dar a ele um “filé mignon”. No caso, a embaixada do Brasil em Washington. Mas negou estar cometendo “o crime” do nepotismo.
Pior do que virar piada e meme por causa do ridículo de suas afirmações, porém, será para Bolsonaro o risco da desmoralização quando, dentro do próprio governo, resolverem peitá-lo. Parece que isso já começa a acontecer. Em entrevista ao Estadão, neste sábado, o diretor do Inpe – que segundo Bolsonaro estava “mentindo”sobre os dados do desmatamento da Amazônia – bateu duro de volta em seu superior hierárquico.
Ricardo Osório Galvão, hierarquicamente inferior a Bolsonaro, e por ele demissível, considerou as atitude do presidente “pusilânime e covarde”, e ensinou: “ Um presidente da República não pode falar em público, principalmente numa entrevista para a imprensa, como se estivesse em uma conversa de botequim”. Galvão disse também que, embora pareça ser esta a intenção de Bolsonaro, não pedirá demissão. Virá a Brasília explicar e justificar os dados do instituto que mostram a aceleração do desmatamento da Amazonia e foram, considerados “mentira”.
Se a moda pega, Bolsonaro está perdido. Atitudes corajosas como a de Galvão costumam minar a autoridade e deixar expostos líderes levianos e fanfarrões. Acima de tudo, estimulam outros a fazer o mesmo.