Presidentes recém-eleitos costumam ser tão fortes que conseguem fazer o Congresso votar coisas do arco da velha, como até mesmo o confisco da poupança dos cidadãos. No presidencialismo à brasileira, todo governante que assume sabe que deve aproveitar esse período de graça, que pode chegar a seis meses e, na melhor das hipóteses a um ano, para comprar as brigas mais difíceis e votar propostas espinhosas e impopulares. O que não dá para fazer, em momento algum, é comprar todas as brigas ao mesmo tempo com todo mundo.
Em sua primeira semana como presidente eleito, Jair Bolsonaro e equipe, talvez querendo mostrar que, diferentemente de outros, irão cumprir suas promessas de campanha, atiraram para todos os lados.
Desagradaram setores opostos, como o agribusiness e os ambientalistas, com o junta e separa das pastas da Agricultura e do Meio Ambiente; irritaram os representantes da indústria com a extinção do Ministério da Indústria e Comércio e outras afirmações sobre sua dependência do Estado; preocuparam os setores exportadores e os principais parceiros comerciais do Brasil com o anúncio de um cavalo-de-pau na política externa: alinhamento aos Estados Unidos, distanciamento da China, opção por Israel em detrimento da Palestina, fim do Mercosul…
Também andam de orelha em pé os outros poderes da República. O Congresso, ainda que tendente a votar tudo o que o novo presidente mandar neste início, olha com desconfiança para o pacote anti-corrupção do futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro. Afinal, é grande o número de investigados e acusados na Lava Jato que ainda continua no jogo no establishment politico. Sem falar no discurso bolsonariano de acabar com o toma-lá-dá-cá que tem caracterizado as relações Executivo -Legislativo há décadas.
No STF, a nomeação de Moro também não repercutiu bem, e nem as conversas sobre sua nomeação para uma futura vaga na Corte, e muito menos ainda as informações que apareceram na imprensa sobre a ideia do novo governo de acabar com a PEC da Bengala, aquela que passou de 70 para 75 anos de idade a aposentadoria de seus ministros. A vantagem para Bolsonaro seria ter, em vez de duas, quatro ou cinco vagas a preencher em seu mandato. A desvantagem, ter a maioria do Supremo contra si.
Não falamos aqui da imprensa, dos aposentados que vão ficar no alvo da reforma da Previdência e nem dos funcionários que vão perder o emprego no enxugamento da máquina administrativa. E nem, obviamente, da oposição.
Mas se Bolsonaro não escolher bem suas brigas, ou ao menos estabelecer uma ordem de prioridade para elas, corre o risco de queimar muito mais rapidamente do que o normal o estoque de gordura adquirido na eleição, acelerando o desgaste que, mais dia menos dia, atinge qualquer um que ousa se sentar naquela cadeira do terceiro andar do Planalto.