O então juiz Sérgio Moro foi um belo retrato na parede do Ministério do recém-eleito Jair Bolsonaro quando este precisou mostrar que dava conta de montar um governo estrelado. Em menos de cinco meses, porém, Moro se transformou num vaso chinês – aquela peça maravilhosa, valiosíssima, mas que ocupa muito espaço, fica sem lugar e ninguém sabe o que fazer com ela. Para os conhecedores dos meandros do poder, a realidade é que, a esta altura, Bolsonaro está tão doido para nomear Moro para o STF quanto Moro para ser nomeado. Variam apenas os estilos de (não) mostrar isso.
Hoje, o único jeito de Bolsonaro se livrar do quase indemissível Moro – que provocaria um grande estrago de imagem se saísse chutando o balde – é promovê-lo ao Supremo, o que também é uma saída honrosa para o ex-juiz. Mas por que essa separação tão precoce? Normalmente, presidentes gostam de manter ministros reluzentes e até relutam em nomeá-los para outros postas antes do fim do governo.
Porque Moro é hoje o principal obstáculo a uma composição das forças políticas no Congresso para baixar de vez a bola da Lava Jato, que continua sendo uma sombra sobre tudo o mais que tramita por lá, como, por exemplo, a reforma da Previdência. O engavetamento do projeto Moro de mudança da legislação penal, bem como iniciativas que pretendem aprovar a lei para punir o abuso de autoridade – e até mesmo a transferência do Coaf para a pasta da Economia – fazem parte desse pacote.
O fato de o PSL do presidente da República ser o único partido ostensivamente contrário a essa articulação dificulta, mas não inviabiliza a participação de Bolsonaro nesse arranjo, que poderá ter entre seus beneficiários o filho presidencial 01, envolvido no chamado Caso Queiroz. Quem viu nesta segunda a entrevista do senador Flavio Bolsonaro ao Estadão, acusando o Ministério Público, que pediu a quebra de seu sigilo, de agir politicamente contra o governo, e o Judiciário de nada fazer, sabe para que lado se inclinará o coração do pai. E não é o mesmo lado de Moro.
Que Moro e Bolsonaro não estão do mesmo lado vem ficando claro há tempos. O engavetamento do pacote do ministro vem sendo lamentado apenas de forma protocolar pelo presidente, que tentou disfarçar mas, no fundo, também lavou as mãos em relação à transferência do Coaf. Nos bastidores, esse movimento teve a concordância do articulador político do Planalto, Onyx Lorenzoni, mais preocupado em salvar como um todo a MP 870, da reforma administrativa. Da mesma forma, Moro não vem sendo consultado em decisões importantes de sua área, como a nomeação para tribunais superiores e até a assinatura do decreto que facilitou o porte de armas.
Depois da declaração de Bolsonaro sobre o “compromisso” que teria de nomeá-lo para o Supremo, o ministro da Justiça correu a dizer que não impôs qualquer condição para aceitar o cargo. Fez o que pôde para evitar a exposição de uma desastrada indicação precoce. Um ano e meio antes da previsão de vaga na Suprema Corte, isso provavelmente vai irritar setores do STF e armar no Congresso – que terá que aprovar a indicação – uma armadilha para o próprio Moro.
Será que deputados e senadores, muitos investigados e citados na Lava Jato e em outras operações, não vão se aproveitar da situação para dobrar o ministro da Justiça nos assuntos que lhe interessam?
Tudo indica que, por incompetência política, ou ansiedade em se livrar da principal estrela de sua equipe, Bolsonaro produziu um tremendo estrago.