Raras vezes se viu um presidente da Republica tão indiferente à negociação daquela que será, certamente, a principal reforma de seu governo – a da Previdência. Jair Bolsonaro não move uma palha por ela. Anda ocupadíssimo em confrontos – e trapalhadas – com o Congresso sobre flexibilização de porte de armas, demarcação de terras indígenas e listas tríplices para nomeações em agências reguladoras.
A vida é assim. Cada um escolhe suas batalhas. As de Bolsonaro, porém, o colocam cada vez mais distante da agenda essencial ao país, aquela que, para o bem ou para o mal, poderá impactar na geração de empregos, no crescimento da economia e na melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. Nada disso parece estar entre as preocupações imediatas do presidente, concentrado numa pauta acessória de promessas de campanha, demonstrações de força perante o Legislativo e, sobretudo, abobrinhas.
Nesta terça, Bolsonaro mandou ao Congresso seu ex-articulador político Onyx Lorenzoni, destituído de surpresa da função na semana passada, para explicar a trapalhada dos decretos editados e revogados sobre posse e porte de armas. O que deu para entender foi a total incapacidade do presidente da República de se sentar à mesa com líderes do Parlamento para negociar.
Ele tentou impor sua vontade legislando (inconstitucionalmente) por decreto num tema que exige lei. Foi derrotado no Senado com a derrubada do decreto e, antes que o vexame se repetisse na Câmara e no STF, revogou a medida e editou duas outras repetindo trechos da anterior – fazendo o que seu porta voz horas antes negara que faria. Onyx foi explicar a confusão e o acordo final, que envolveu o envio de, finalmente, um projeto de lei para regular a questão das armas com o Congresso.
Quando a situação parecia resolvida, eis que surge um novo decreto, o sétimo, revogando o da véspera, conforme o acerto feito pelo ex-articulador Onyx com os presidentes da Câmara e do Senado. Fez o que prometeu e o que não prometeu, peitando novamente o Congresso ao manter, por exemplo, uma brecha no texto permitindo a compra de fuzis.
Gesto semelhante ao de, dias atrás, ter mandado nova medida provisória ao Legislativo fazendo retornar da Funai ao Ministério da Agricultura a atribuição de demarcar terras indígenas – mudança que havia sido feita pelo parlamento na votação da MP da reorganização administrativa do governo. A medida está sendo devolvida ao Planalto pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, pela flagrante inconstitucionalidade de tentar reeditar proposta já rejeitada na mesma sessão legislativa.
Num caso parecido, Bolsonaro resolveu vetar parte do projeto da Lei das estatais, que tanto orgulho trouxe a deputados e senadores em sua aprovação, por achar que se tornaria “rainha da Inglaterra” se seguisse o rito previsto para nomeação de diretores de agências reguladoras.
O fato é que, em nossa jovem democracia, nunca se viu tão alto índice de escaramuças entre poderes por metro quadrado.