Jair Bolsonaro é um homem de sorte. Chegou a Osaka, para a reunião do G-20, comprando briga com chefes de Estado como Angela Merkel e Emmanuel Macron, que cobraram posições de seu governo em relação ao meio ambiente, ouviram respostas desaforadas do presidente e ainda foram mandados “procurar sua turma” por outros integrantes da exótica delegação brasileira. Mas Bolsonaro saiu de Osaka comemorando, ao lado desses mesmos líderes, a celebração do acordo comercial “histórico” entre o Mercosul e a União Européia.
Ainda que não seja tão histórico assim, pois desconfia-se que o fragilizado Mercosul cedeu mais do que devia, e que a atuação do atual governo em sua assinatura não tenha tido esse peso todo – era um acordo negociado há 20 anos, quase fechado no governo Michel Temer -, não há dúvidas de que o sortudo Bolsonaro pode faturar. Ninguém vai lhe tirar a assinatura do tratado, e ele pode acabar sendo o principal beneficiário da euforia de setores da economia e da mídia com o acordo. Ao que parece, o establishment andava ansioso por boas notícias nas quais se agarrar – embora elas possam levar 15 anos para se concretizar.
Mas Bolsonaro tem aquela capacidade rara de transformar limonada em limão. Na mesma entrevista em que comemorou o acordo Mercosul-UE, em Osaka, saiu-se com uma afirmação absolutamente inadequada sobre o brasileiro executado na Indonésia em 2015, Marco Archer, por tráfico e drogas. Segundo o presidente, é uma pena que o sargento da Aeronáutica detido com cocaína na Espanha não tenha sido preso na Indonésia.
Ok, foi um escorregão. Só que não. Ao chegar a Brasília neste domingo, naquela paradinha regulamentar na porta do Alvorada, o presidente repetiu a história da Indonésia, num sinal inequívoco de que achou a própria declaração muito esperta. Ou talvez tenha falado em tom de brincadeira, desconhecendo se tratar de uma piada muito sem graça.
Pior, a suposta brincadeirinha de Bolsonaro representa uma guinada na postura do governo brasileiro, que chegou, na ocasião, a pedir por duas vezes clemência para Archer, propondo que, em vez de ser executado, ele cumprisse prisão perpétua.
Esse é o papel que se espera do Estado brasileiro em relação a qualquer de seus cidadãos – ainda que ele seja um traficante e mereça passar o resto da vida na cadeia. Mas não há pena de morte no Brasil, e o governo tem a obrigação de lutar para que nenhum brasileiro seja submetido a ela em outro país. Questão de soberania, questão de direitos humanos, questão de civilização x barbárie.