Não se tem notícia de que algum governante no pleno exercício de seu direito de ir e vir e de sua prerrogativa de falar por seu país em foros internacionais tenha ido a uma assembléia da ONU denunciar estar sofrendo golpe e tenha saído de lá – de volta a seu país para reassumir o cargo normalmente – com alguma reação mais dura das Nações Unidas. Uma sanção? Um embargo? O envio de tropas das forças de segurança ao Brasil? Nada disso vai acontecer.
Há, portanto, um certo exagero nisso tudo. Do lado da presidente Dilma Rousseff, se usar a tribuna da ONU para denunciar um golpe que, tecnicamente, não existe. A ONU não pode e não vai fazer nada, e a real intenção de Dilma é chamar a atenção da mídia internacional para o processo que o Brasil está atravessando. Só que a mídia internacional também não pode e não vai fazer nada para impedir que ela seja apeada de seu cargo pelo Congresso brasileiro. Pode, sim, mostrar ao mundo o lado negro da força naqueles que estão aprovando o impeachment e marcar seu sucessor com a pecha de traidor.
Isso é chato para Michel Temer, mas não o impedirá de assumir nem mudará o curso interno das coisas a curto prazo.
O dano potencial maior para Temer é a cobertura desfavorável da mídia internacional repercutir aqui dentro e semear a desconfiança no campo fértil da opinião pública brasileira, que em sua maioria quer se livrar de Dilma mas não tem qualquer simpatia por seu substituto.
É aí que mora o perigo, sobretudo porque fica difícil mesmo explicar, internacionalmente, que o principal articulador do impeachment é um presidente da Câmara atolado de acusações de corrupção, que faz manobras diárias para se livrar de uma punição no Congresso e é alvo de inquéritos e de um pedido de afastamento do cargo engavetado pelo Supremo Tribunal Federal. Eduardo Cunha conseguiu aprovar o impeachment, mas evidentemente o contaminou.
Talvez tudo isso pudesse ter sido evitado se os ministros do STF, que hoje aparecem na mídia condenando a ida da presidente à ONU para denunciar golpe, tivessem feito seu dever de casa em relação a Cunha.