Lá vem o rabo abanando o cachorro de novo. O Congresso deve encerrar seus trabalhos do ano esta semana, aprovando o Orçamento da União e desviando recursos de ministérios e despesas obrigatórias do Executivo (inclusive previdência e assistência social) para emendas parlamentares e para o fundo eleitoral, que vai acabar em torno de R$ 5 bilhões. Depois do susto pregado pelo STF – que bloqueou os pagamentos das emendas RP9, as de relator, mas agora recuou – a turma do orçamento secreto voltou com força total.
A pressão pelas emendas parlamentares sempre existiu, e o estica-e-puxa da votação do orçamento tem sido tradicionalmente tenso ao longo de décadas – ao menos desde a promulgacão da Constituição de 1988. Mas o que nunca se viu é essa inversão total de valores. Para o Legislativo, a prioridade passou a ser, escancaradamente, o pagamento de suas emendas, nem que para isso tenham que tirar dinheiro do aposentado, do deficiente, dos programas ministeriais – entre eles, da saúde e educação – e até do censo do IBGE.
Não se pode dizer que os parlamentares não tenham tido sempre esse tipo de ambição. Antes, porém, o Legislativo encontrava limites no Executivo, que barrava os absurdos e raciocinava segundo as prioridades para botar em funcionamento a sua máquina. Certos, ou errados, os governos se impunham. Quantas vezes nós não vimos o presidente da República mandando cortar a execução de emendas parlamentares para tapar buracos do Orçamento? Afinal, quem manda no orçamento, manda no país.
E é o certo. Quem governa, e tem que atender a todas as demandas desse país desigual, injusto e cheio de iniquidades têm que ter a prerrogativa de decidir o gasto – ainda que você não concorde com suas prioridades.
O rabo abana o cachorro quando o Congresso, de forma irresponsável, pulveriza recursos que deveriam estar em programas de combate à pobreza em emendas para seus redutos. Muitas delas levarão obras e projetos importantes para suas comunidades. Mas a distribuição política dessas verbas, e a falta de critérios na definição de seus objetivos, sem uma visão do todo, joga muito dinheiro pelo ralo.
Afinal, quem vê o todo, e tem condições de avaliar as necessidades de cada região – ou, ao menos, deveria ter – é o governo federal. E aí é que está o nosso problema, que vai além da questão das verbas orçamentárias e expõe uma disfunção institucional. No governo Bolsonaro, o sistema presidencialista foi para o espaço, mas não se colocou em seu lugar nada funcional.
O tal semipresidencialismo que o presidente da Câmara, Arthur Lira, o ex-presidente Michel Temer, e o ministro do STF Gilmar Mendes tentam viabilizar nada mais é do que a institucionalizção desse atual estado de coisas, que reúne um presidente incapaz e omisso e um parlamento ambicioso que só tem olhos para os próprios negócios.
Quem assumir o comando do Executivo em 1o de Janeiro de 2023 terá pela frente a tarefa de recolocar nos trilhos as instituições do presidencialismo, restaurando o equilíbrio entre os poderes – sob o risco de não conseguir governar.