Nem a reforma tributária e nem a penca de medidas provisórias que já se acumula no Congresso: o maior desafio politico do governo Lula nos próximos meses será aprovar o projeto de lei complementar que cria o novo arcabouço fiscal do país, em substituição ao desmoralizado teto de gastos. Decisiva para os rumos da economia, a proposta precisaconciliar as posições de um governo de centro-esquerda que costuma pregar, por exemplo, que gastos sociais devem ser considerados investimentos – e ser excluídos de amarras fiscais – às convicções de um Legislativo conservador, cheio de amigos da Faria Lima.
A nova âncora fiscal deverá ser conhecida nos próximos dias, depois que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, obtiver sinal verde do presidente da República para apresentá-la ao Congresso. Haddad e o Planalto não podem errar nesse encaminhamento político, repetindo o que ocorreu no caso da MP da reoneração dos combustíveis, que deixou o presidente da Câmara, Arthur Lira, profundamente irritado por não ter sido nem consultado nem informado previamente sobre a solução encontrada.
A insatisfação do presidente da Câmara, traduzida em recados depreciativos sobre a base parlamentar do governo e alertas sobre o perfil da futura âncora fiscal – “tem que ser equilibrada” – resultou num jantar de reproximação com o presidente Lula semana passada. Apararam arestas, mas na prática a situação continua a mesma: com uma base insuficiente, a aprovação do novo arcabouço fiscal e de outros projetos na Casa vai depender muito da boa vontade de Lira.
E a boa vontade de Lira vai depender muito das nomeações de segundo escalão e da liberação de emendas que vão ampliar o poder do centrão no governo. Daí o visível esforço dos articuladores do Planalto nos últimos dias para acelerar essas negociações.
A votação da âncora fiscal, porém, difere da de outros projetos nos quais, resolvidas as questões fisiológicas da maioria, o placar fica assegurado. Num Congresso de centro-direita em que boa parte das bancadas está afinada com os ditames do chamado mercado, o componente ideológico vai pesar – e daí a necessidade da ajuda de Lira, assíduo frequentador da Faria Lima.
Não há dúvida de que, por melhor que venha, o PLC do arcabouço fiscal – que, em essência, é um limitador de gastos para estabilizar (e reduzir) a trajetória da dívida pública – vai gerar muito debate, dentro e fora do Congresso.
Essa agenda vai dominar a política nas próximas semanas e o PT, partido do presidente e do ministro da Fazenda, certamente terá protagonismo. Aliados do governo temem que uma reação pública petista mais crítica ao projeto o enfraqueça já no início das negociações. Caberá ao próprio Lula, se e quando aprovar a fórmula da equipe econômica, dar ordem unida aos petistas para apoiá-la.
O presidente sabe que um fracasso na votação da âncora fiscal, ou uma derrota diante das forças conservadoras, fazendo prevalecer a ortodoxia — e desfigurando-a — seria catastrófico.
Falamos aqui de gastos sociais, investimentos em obras e programas que vão gerar emprego e renda — promessas de campanha de Lula. Sua restrição, sob regras fiscais muito rígidas, teria enorme impacto nos rumos futuros do governo e em sua popularidade.
Do outro lado da moeda, porém, aprovar um marco fiscal que contente minimamente gregos e troianos, fiscalistas e desenvolvimentistas, petistas e centrão, será uma proeza tal que abrirá os caminhos do governo Lula. Depois disso, tudo ficaria mais fácil.