Pode ser efeito da pandemia do coronavírus, mas o mérito pode ir também para Jair Bolsonaro, com seu comportamento absurdo diante da crise. Mas algo se move no campo político, finalmente aproximando forças que até ontem se digladiavam. Quem imaginava, um mês atrás, ver Fernando Haddad e Ciro Gomes, junto com Guilherme Boulos e representantes de partidos de centro e esquerda, fazendo mesuras e assinando juntos um manifesto em que dizem pensar a mesma coisa? Mais impensável ainda foi a troca de tuítes entre o ex-presidente Lula e o governador João Dória, que sem falar diretamente, celebraram uma espécie de armistício.
O objeto da convergência, tanto à direita quanto à esquerda, só poderia ser Bolsonaro. Os ex-candidatos à presidência se uniram para pedir a renúncia do ex-adversário de 2018. Pena que não tenham feito isso antes para evitar a eleição do ex-capitão. Antes tarde do que nunca, porém, resolveram deixar para trás as águas passadas e admitir olhar juntos para o futuro.
Trata-se de um embrião de uma frente de esquerda para 2022? Longe disso. Mas é um primeiro passo para um diálogo que estava interditado e que pode render frutos num futuro mais próximo, quem sabe em torno de um movimento – ou frente – para atuar, dentro dos limites institucionais, com o problema Bolsonaro.
Animador também é o sinal de que, supreendentemente,
outras forças políticas, mais ao centro e à direita, podem se juntar nisso. Os tuíte elogioso de Lula sobre a ação da PM de Dória de entrar numa fábrica para pegar máscaras, com a observação de que “quem tá fazendo o trabalho mais sério nessa crise são os governadores e os prefeitos”, foi bem recebido pelo destinatário. No retuíte, Dória diz que tem muitas diferenças com o ex-presidente, mas que agora não é hora de expor discordâncias, pois “o vírus não escolhe ideologia nem partidos”.
É cedo para dizer se essas aproximações vão resultar em movimentos políticos mais concretos. Mas a crise já operou o milagre de fazer esse pessoal voltar a conversar.