Ao suspender a regra que autorizava as operadoras de planos de saúde a cobrarem de clientes até 40% do valor de procedimentos e exames, a presidente do STF, Cármen Lúcia, deu um belo puxão de orelhas na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), coincidentemente a poucas horas de assumir, ela mesma, a presidência da República. “Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro”, escreveu ela no despacho em que tornou sem vavalidades resolução da ANS.
É uma pena que, no pouco tempo que passou no Planalto, Cármen Lúcia não tenha tido a chance de mexer nos maus hábitos que tomaram conta da operação das agências reguladoras. Vamos torcer – e votar, que é o que está ao nosso alcance – para que o sujeito que subir a rampa no dia 1 de janeiro tenha o bom senso de tomar essa providência.
Porque esse sujeito vai ter muito o que fazer. Só para ficar na história recentíssima, vai ter que dar satisfações a milhões de passageiros engambelados pela conversa da ANAC de que as passagens aéreas ficariam mais baratas depois que as bagagens passassem, por resolução da agência, a serem cobradas. Uma balela.
Da mesma forma, a confusão criada pelas transportadoras de carga do país, com o apoio da ANTT, em torno do tabelamento do preço dos fretes vai sobrar para ser resolvida pelo próximo presidente da República.
E vamos parar por aí porque cada cidadão brasileiro terá seu exemplo a apontar. Qual é o problema das agências? Nos últimos tempos, parecem estar sempre do lado errado.
Diferentemente do que disse, em entrevista ao Globo, o diretor da ANS, Rodrigo Aguiar – “não somos um órgão de defesa do consumidor” – reafirmando teimosamente que vai manter a regra dos 40%, as agências são órgãos governamentais. Como tal, e como todos os outros sustentados com recursos públicos, têm a obrigação precípua de trabalhar pelo bem geral. Em outras palavras, para o cidadão, seja ele chamado consumidor, contribuinte ou qualquer outra coisa.
Criadas a partir da desestatização nos governos de Fernando Henrique Cardoso, as agências são, em tese, órgãos destinados a equilibrar o mercado. Passaram a existir para atuar nos setores em que a iniciativa privada passou a ter maior espaço de atuação, como por exemplo o de óleo e gás, depois do fim do monopólio da Petrobras. São autarquias que tem os nomes de seus diretores aprovados pelo Senado.
Não é preciso ser gênio para saber que o elo mais vulnerável da corrente é o consumidor, o usuário dos serviços, que estão sempre levando a pior.
Isso porque, como toda a boa ideia que pode dar errado, as agências foram se distanciando do propósito inicial e acabaram “capturadas” – palavra curiosa, mas bem adequada – por setores que deveriam fiscalizar. Tornaram-se objeto de barganhas políticas escancaradas. O rigor inicial em suas nomeações foi se afrouxando na parceria entre Executivo e Legislativo. Hoje, com raras exceções, são cabides de indicações.
No governo Temer, então, tornaram-se galinheiros guardados por raposas, seguindo a moda dos órgãos públicos chefiados por interessados no assunto. O Ministério da Saúde, por exemplo, há dois anos é feudo do PP. Seu atual ocupante, Gilberto Occhi, não é médico e saiu da Caixa Econômica Federal sob acusações.
Lamentavelmente, não chega a ser surpresa que a ANS venha baixando resoluções favoráveis às operadoras de planos de saúde e contrárias ao interesse de quem precisa de assistência. Pensando bem, não espanta nem que o sarampo tenha voltado e a mortalidade infantil aumentado. Triste demais.