Quem tem medo de Dilma Rousseff? Parece que Michel Temer tem. Do contrário, não correria o risco de ser acusado de casuísmo ao articular a redução dos prazos de defesa da presidente afastada para acelerar a votação final do impeachment no Senado, ou de mesquinharia ao cortar o uso de aviões da FAB para a antecessora viajar pelo Brasil. A suspensão da verba para compra de alimentos para o Alvorada, se tiver sido de seu conhecimento, também se encaixa no rol das atitudes que não se esperariam do correto e cauteloso constitucionalista Temer.
Aliás, conhecido pelo equilíbrio, ponderação e capacidade conciliadora, o presidente em exercício vem surpreendendo aliados e adversários com a mão pesada. Michel vem sendo muito pouco Michel desde que assumiu o gabinete no terceiro andar do Planalto, e não só nas decisões para acelerar as coisas e tornar efetivo o governo interino – mas que, por outro lado, vitimizam e dão discurso à presidente afastada.
Também a rapidez e amplitude das demissões num governo do qual, mal ou bem, fazia parte, e a voracidade na tomada de espaços por seus aliados, do garçom aos ministros, pouco ou nada têm a ver com o Michel elegante e cordato de outros tempos.
Questão de sobrevivência, dizem alguns, mencionando as novas circunstâncias de Michel. Nessas primeiras três semanas de governo, o presidente interino construiu uma âncora relativamente sólida na economia, mantendo as expectativas e o apoio do PIB em relação à equipe e sua capacidade de tirar o país do fundo do poço. E é isso, apenas isso, que o segura, já que, no resto, muita coisa deu errado. Daí não serem totalmente infundados os temores de que o tempo, trazendo mais complicações à governabilidade, poderia aumentar as hoje remotas chances de retorno de Dilma.
Do outro lado do espelho, a presidente afastada também percebe isso, e cresce no infortúnio. Essa é uma característica conhecida de Dilma, a de estar sempre muito mais à vontade numa briga do que numa conversa ou negociação pacífica. Em suas viagens e semi-comícios pelo país, intervenções no Facebook e outros eventos, está como pinto no lixo. Animada, articulada, sem sinal de fraqueza ou desânimo, tem feito sucesso e agregado apoiadores. Até mesmo os conhecidos tropeços verbais e inadequações de discurso parecem superados. Tudo isso apesar de ter consciência de que são mínimas as chances de voltar a governar o país.
Nem com bola de cristal poderíamos imaginar que o impeachment de 2016 trouxesse à luz um Temer truculento e uma Dilma articulada…