Sobrou de toda a confusão jurídica com as idas e vindas das decisões sobre soltar ou não o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste domingo, a evidência de que o Poder Judiciário brasileiro é comandado não pela Suprema Corte do país, mas por um juiz de primeira instância aquartelado em seu bunker de Curitiba.
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O episódio abriu um perigoso precedente para o velho entendimento de que “decisão judicial cumpre-se, não se discute”. Agora não se cumpre mais, discute-se menos ainda. Apenas revoga-se, não por instância hierarquicamente superior, mas pelo soldado raso que há tempos passou a dar ordens aos generais do Judiciário.
Um espetáculo circense protagonizado por três desembargadores manteve por todo o domingo uma expectativa trágica, se não fosse cômica, expondo ao país e para o mundo as mazelas de um Judiciário brasileiro enfraquecido e cada vez mais desmoralizado, no qual decisões monocráticas se sobrepõem a decisões colegiadas e estas, por sua vez, extrapolam os limites da própria Constituição.
A tragicomédia poderia ter sido evitada. Bastaria ao juiz Sérgio Moro não ter exacerbado sua vaidade de expor ao mundo, mais uma vez, a sua condição de condestável da Justiça brasileira, e aos desembargadores João Pedro Gebran Neto, relator, e Thompson Flores, presidente do TRF-4, não escancararem a sua submissão ao mandatário de Curitiba.
Afinal, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, já estava a postos em Brasília para encaminhar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal, um pedido de cassação do habeas corpus que o desembargador Rogério Favreto havia concedido ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre um e outro instrumento, não haveria tempo para que Lula atravessasse os portões da Polícia Federal, em Curitiba.
A sequência de descumprimentos de que falávamos fechou nesse domingo todo o arco das instâncias judiciárias.
Ela tem sua raiz primeiro nas “emendas” constitucionais que vêm sendo produzidas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Sem poder constituinte e carentes dessa legitimidade, suas excelências passaram a avocar o direito que emana do povo e a interpretar a Carta Magna ao seu bel prazer ou circunstância. Assim, reescrevem seus dispositivos e escancaram a insegurança jurídica.
A essa insegurança jurídica se juntam julgamentos arranjados onde réus são condenados mediante provas imprecisas, carentes de documentação probatória e baseadas apenas em delações não menos frágeis porque feitas por pessoas sob a pressão de negociar a própria liberdade. São processos julgados por sua capa, e não pelos autos, de conteúdo quase sempre fabricado. E se completa com a não compreensão de instâncias inferiores de que recomendação do STF deve ser cumprida com fundamentação. Ainda que de perigo de ser eleito.
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Vai que cola…
STF pode tirar Atibaia e outros processos de Moro
Geraldo Seabra é jornalista