Na peculiar gravidade política, o que despenca nem sempre cai. Se há um consenso nos gabinetes de Brasília, nas redes sociais e nas ruas é que Michel Temer, mesmo em queda livre, continua pendurado em uma pinguela.
Pinguela, aliás, cada vez mais improvisada e estreita.
Chegou-se até aí pelo impeachement de Dilma Rousseff, em que, afora o PT e seus satélites, todas as outras forças políticas contribuíram com algum retalho de madeira para esse arremedo de ponte.
Uns porque entenderam que ela de fato cometeu crime de responsabilidade. Outros para se manterem antenados com a vontade popular. O fiel da balança foi a turma que apostou ganhar mais com a troca da guarda no Palácio do Planalto.
O PT chamou a todos de golpistas.
Às vésperas da campanha para as eleições municipais de 2016, ouvimos — em um tradicional almoço de jornalistas e assemelhados no Carpe Diem em Brasília — de um marqueteiro do PT que o discurso do golpe foi uma grande sacada, um ponto de virada na luta pelo coração e mente dos eleitores, e o partido colheria os frutos nas urnas.
Os candidatos petistas que acreditaram nisso quebraram a cara.
Foi a primeira trombada com o eleitorado depois do divórcio consumado.
A rigor, não houve segundo mandato de Dilma. Nem ela se convenceu de que sua vitória não foi um estelionato eleitoral. Passou recibo do engodo no cavalo de pau na economia e as ruas se uniram para rejeitá-la. Sua reação foi tão claudicante que sua queda mais pareceu um alívio, para ela, aliados e adversários.
Dilma virou uma morta viva. Graças à Lava Jato, de alguma maneira ela ressuscitou. A investigação comprovou que o turno decisivo em 2014, uma disputa entre as campanhas dela e de Aécio Neves, foi um jogo viciado entre dois marionetes da corrupção generalizada no país. Ela como beneficiária, ele como partícipe do banquete em que grandes empresários, gratos pela farra com dinheiro público, distribuíram milionárias migalhas a ávidos caciques políticos.
Dilma hoje perambula por aí. Aécio tenta adiar sua ida para a cadeia.
A fila andou.
O PT não viu. Continuou no labirinto de suas próprias ilusões. A ilusão costuma ser má conselheira política. Ela embaça o olhar, engana a vista, a ponto de não se enxergar quando o sonho vira pesadelo.
As investigações sobre Lula avançaram.
Em sintonia com o PT — em vez de tentar justificar os favores e presentes que Lula recebeu de grandes empreiteiras – a defesa de Lula tentou desqualificar a Justiça. Em outra frente, políticos e sindicalistas espalhavam ameaças. Diziam que quem mexesse com Lula seria atropelado por uma revolta popular. Cantaram de galo a cada passo do processo.
Lula foi denunciado, não houve revolta popular. O juiz Sérgio Moro acatou a denúncia e condenou Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, não houve revolta popular. O TRF-4 confirmou a condenação e ampliou a pena de Lula, não houve revolta popular. Depois de participar de uma missa comício em São Bernardo, assistida por militantes e devotos, Lula se entregou e foi para a cadeia, não houve revolta popular.
O que se ameaçou explosivo se revelou um traque.
Mesmo assim, insistiram na mesma toada. A palavra de ordem virou “eleição sem Lula é fraude”, uma aposta arriscada mesmo para os que entendiam que o truque era apenas uma tática para evitar que a tropa dispersasse.
Semanas atrás, Lindbergh Farias, líder do PT no Senado, em entrevista ao portal UOL, com a cara mais limpa, fez a seguinte declaração: “Um caminho – e esse é um debate que existe – é não participar da eleição. Dizer que a eleição sem Lula é uma fraude, é uma farsa, é um jogo de cartas marcadas”.
Bastou surgir a hipótese da candidatura Joaquim Barbosa – detectada nas pesquisas qualitativas com potencial de herdar os votos de Lula — para o PT começar a cair na real.
Meio na moita, o partido acaba de abandonar o lema “eleição sem Lula é fraude”, inclusive em seus documentos oficiais.
O que parecia ruim ficou ainda pior com a nova denúncia nessa segunda-feira (30) da procuradora Raquel Dodge contra Lula, Gleisi, Paulo Bernardo e Marcelo Odebrecht pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Os fatos atropelam as fantasias. Quanto mais se aprofunda nesse mega escândalo — as delações de Palocci e Renato Duque vão escancarar ainda mais essa rede de maracutaias –, quem deu e ainda dá as cartas no PT perde o chão.
Difícil saber quem vai até o fim da linha.
Especialistas na arte de vender ilusões, petistas, aliados e adversários, como os políticos em geral, costumam ser pragmáticos quando a carreira, os negócios e a própria liberdade estão em jogo.
A conferir.