A encenação é ato de ofício no teatro da política. A história registra inúmeros momentos em que é pura arte ou mera farsa. Às vezes, nem isso. Vira apenas uma dissimulação capenga que não convence os protagonistas e nem a plateia. Esse parece ser o caso nos encontros marcados para hoje e amanhã entre o presidente eleito Jair Bolsonaro e as bancadas na Câmara do MDB,PR,PRB e DEM.
Pelo script ensaiado para essa primeira rodada de conversas todos vão entoar a necessidade de aprovação de reformas, como a da Previdência e a Tributária, para deslanchar o crescimento da economia. A cereja do bolo será a fingida concordância com a pregação de um novo relacionamento que aposente o balcão de negócios entre o Congresso e o Planalto.
Depois de conversas prévias com algumas bancadas, Onix Lorenzoni voltou, ontem a bater na mesma tecla: “Todos sabemos onde nos levou o presidencialismo de coalizão. O toma-lá-dá cá destruiu a relação do Congresso e do Executivo com a sociedade brasileira”. Da boca para a fora, de um jeito ou outro, até a turma do Centrão aderiu a esse discurso.
Nessa mesma segunda-feira (3), no site do PRB, braço da Igreja Universal, o senador Eduardo Lopes, presidente interino, manifesta a posição do partido sobre a reunião de sua bancada com Bolsonaro. Em nota intitulada “O velho modelo está com os dias contados”, diz que o PRB está participando e acompanhando as decisões por querer dar a sua contribuição. “Precisamos de gestão competente e comprometida, o país está mergulhado numa crise econômica, ética, moral e política. Os desafios são grandes. Realmente o cenário mudou, a gestão terá que ser eficiente, não cabe mais o velho modelo, que está com seus dias contados”.
Na batalha pelo primeiro escalão, o PRB se alinhou às entidades que representam a indústria na queda de braço pela manutenção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior. Perderam a disputa para Paulo Guedes e o MDIC foi incorporado ao superministério da Economia. Nos bastidores da equipe de transição se diz que essa derrota aguçou o apetite do partido. Busca o apoio do entorno de Bolsonaro para tentar viabilizar a eleição do deputado João Campos (GO), pastor evangélico e delegado de política, como presidente da Câmara. Mirou alto.
Mas não abre mão do que conquistou até aqui na máquina federal pelo lucrativo “velho modelo”. A Pesca sempre foi um de seus alvos prediletos, por sua capacidade de arrebanhar votos. Desde a gestão de Marcelo Crivella no Ministério da Pesca– seu sucessor no cargo foi Eduardo Lopes — o partido do bispo Edir Macedo tomou-se de amores pela pasta, que se manteve intenso apesar dos sucessivos escândalos. O PT e o MDB do clã Barbalho também tiraram ali suas casquinhas. A situação chegou a tal ponto que, na mira da Polícia Federal, a Pesca foi incorporada pela então ministra da Agricultura com a missão de encolher a secretaria para evitar um escândalo ainda maior.
Mesmo tendo virado uma pequena repartição, continuou na mira do PRB. O ministro Blairo Maggi assumiu a Agricultura com o cacife de ser uma das estrelas do governo Temer. Mesmo assim, ele não conseguiu evitar que o PRB emplacasse Dayvson Franklin no comando da Pesca. O clima ficou ruim. E a Pesca acabou incorporada no feudo no PRB no tal Ministério da Indústria. Sempre sob a batuta do controvertido Dayvson Franklin, é subordinada hoje à Secretaria-Geral da Presidência da República, a caminho de novo da Agricultura. E o PRB na batalha para manter a boquinha.
O MDB, primeira bancada a se reunir com Bolsonaro, sem nenhum esforço já ganhou um ministério, aliás o superministério da Cidadania — a junção das atribuições das pastas de Desenvolvimento Social, Esportes, Cultura, uma parte do Ministério do Trabalho e outra da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. E, com menos chances, ainda está no páreo com a Agricultura para ficar com a Funai. O deputado Osmar Terra vai comandar essa verdadeira Torre de Babel não por ser do MDB, mas por terem convencido Bolsonaro do sucesso do pente fino que ele, como ministro, passou em programas sociais como o Bolsa Família.
Na véspera da reunião com Bolsonaro, o senador Romero Jucá, com a esperteza de sempre, postou no Twitter do MDB que o partido, a partir de primeiro de janeiro, manterá uma independência ativa, apoiando medidas que gerem crescimento com eficiência e responsabilidade fiscal. “No curto prazo, não faremos oposição nem seremos da base”, escreveu Jucá, de maneira velada pondo o MDB mais uma vez no balcão. O MDB tem centenas de cargos no governo que não quer perder.
O DEM vai de boa na reunião. Mesmo tendo sido escolhas pessoais de Bolsonaro, o partido já emplacou três deputados na Casa Civil, na Saúde e na Agricultura, três dos mais cobiçados ministérios. Mas a cúpula partidária ainda quer emplacar, de preferência jogando junto com o novo governo, a reeleição de Rodrigo Maia no comando da Câmara.
Partido de Valdemar da Costa Neto, o PR chega ao encontro com Bolsonaro algo ressabiado. Às vésperas do começo da campanha eleitoral, Valdemar cobrou caro para se coligar com Bolsonaro e lhe assegurar um tempo razoável na propaganda eleitoral, numa conversa descrita depois como intragável. Depois que Eduardo Cunha trocou a cena política por uma cela em um presídio no Paraná, sobrou Valdemar como o dirigente político com, digamos, mais desenvoltura no jogo pesado do toma lá, dá cá.
Em público, Valdemar e sua tropa estão maneirando nas suas cobranças sempre explícitas. Nos bastidores, a turma não quer largar o feudo que há muito anos mantém no Transportes, especialmente no DNIT e na Valec, que controlam o orçamento bilionário para as obras nas rodovias e ferrovias federais, com sucessivos escândalos de corrupção.
A turma do Centrão e de outros partidos fisiológicos, que fizeram muxoxo por não terem conseguido vaga na equipe ministerial, avaliam que será mais fácil manter pelo menos parte de seus apadrinhados no segundo escalão. Nem é preciso nomear, é só evitar a demissão.
A equipe de transição já mapeou esquemas montados pelos partidos — alguns como os do PR há bastante tempo — e promete acabar com os feudos. Dizem ali que a ordem de Bolsonaro é dar um basta à festa escancarada com dinheiro público. Quem continuar no governo atuando da mesma forma ainda terá de escapar da fiscalização interna que a turma de Sérgio Moro promete fazer.
A batalha por cargos chaves no segundo e terceiro escalões será travada sem os mesmos holofotes da escolha dos ministros. E entra no jogo os interesses paroquiais de cada parlamentar independentemente da bancada temática a que pertença. É aí que a chamada velha política, sabendo que o governo vai precisar de seus votos, quer amarrar o guizo em Bolsonaro.
A conferir.