Se as decisões dos tribunais até quando colegiadas são controvertidas, imaginem o estrago que faz seus presidentes durante as duas férias anuais dos colegas quando se arvoram como árbitros únicos de todas e quaisquer causas. Alguns simplesmente extrapolam, criam sérios problemas para os juízes naturais dos diversos processos. São os casos de Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal e João Otávio de Noronha no Superior Tribunal de Justiça, que à meia-noite dessa sexta-feira (31) encerraram seus últimos e polêmicos plantões nos dois principais tribunais do país.
Em uma canetada em julho do ano passado, para atender a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, Toffoli simplesmente suspendeu centenas e centenas de investigações relevantes baseadas em relatórios do COAF. Meses depois, o plenário do Supremo, inclusive com o voto a favor de última hora do próprio Toffoli, suspendeu essa absurda decisão. O prejuízo ficou por isso mesmo.
No plantão de julho deste ano, Toffoli atropelou colegas com canetadas a torto e a direito. Depois de suspender a execução de um mandado judicial de busca e apreensão no gabinete do senador José Serra no Senado, baseou-se nesse feito não ocorrido para paralisar os processos contra Serra na Justiça em São Paulo, para onde foram enviados pelo próprio STF. Também suspendeu na hora H o processo de impeachment contra o governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, deixando uma encrenca para o relator do caso, seu colega Luiz Fux, também seu sucessor na presidência do Supremo a partir de setembro.
O desastre maior de Toffoli em seu último plantão foi meter o bedelho numa disputa interna no Ministério Público Federal. Tomou partido do procurador-geral da República, Augusto Aras, atropelou o relator Edson Fachin, e obrigou as forças-tarefas da Lava Jato em Curitiba, no Rio de Janeiro e em São Paulo a mandar todas as informações de seus bancos de dados sobre todas as investigações para Brasília. O próprio Aras tomou um susto com o tamanho do banco de dados de Curitiba. Não se sabe onde ele estava enquanto a força tarefa em Curitiba, sob a jurisdição de Sérgio Moro, promovia nos últimos seis anos a maior investigação sobre corrupção do planeta. Foi ali que se descobriu escândalos depois investigados em uma penca de países mundo afora.
O ministro Edson Fachin pode até revogar essa medida. Mas não corrige mais o estrago causado dentro do próprio ministério púbico. Nessa sexta-feira (31), a crise estourou dentro do Conselho Superior do Ministério Público Federal, órgão colegiado máximo da instituição. Aras havia convocado a reunião para aprovar o Orçamento. Só que a maioria ali estava revoltada ou perplexa com seus virulentos ataques às forças tarefas em uma live na terça-feira com advogados dos principais acusados pela Lava Jato.
Aras não queria ouvir censura alguma. Depois de bate-bocas, acabou tendo de ouvir a leitura pelo subprocurador geral Nicolao Dino de um manifesto assinado por quatro conselheiros com críticas a sua conduta que tornam o Ministério Público “desacreditado, instável e enfraquecido”. Até aliados fizeram críticas indiretas. “É angustiante ver a nossa instituição travando uma luta fratricida. Nós assistimos lamentavelmente a exposição pública das nossas divergências internas”, lamentou o conselheiro José Elanes.
Aras reagiu dizendo que já entregou provas de malfeitos por procuradores à Corregedoria e que ele e sua família estão sendo vítimas de fake news plantadas por colegas na imprensa. E suspendeu a reunião. Mas a crise continua. O problema é que os políticos enrolados em escândalos de corrupção estão vendo terreno fértil para uma ofensiva sem precedentes contra o ministério público. Do Centrão ao PT querem criar uma CPI para investigar a Lava Jato. O clima lá é de dar um troco em Sérgio Moro e nos procuradores da República.
Outro plantonista que arrumou confusão foi o ministro João Otávio Noronha. Em uma canetada, ele mandou soltar Fabrício Queiroz — encontrado escondido na casa em Atibaia de Frederich Wassef, advogado da família Bolsonaro — e também da mulher dele, Márcia de Oliveira Aguiar, que estava foragida. Para espanto de seus colegas do STJ, ele cancelou o mandado de prisão dela com o argumento de que, como mulher, ela poderia cuidar do marido na prisão domiciliar. O relator do caso no tribunal, ministro Felix Fischer, já avisou a colegas que vai revogar as duas decisões.
Mas Noronha não dá o braço a torcer. Nessa sexta-feira (31), último dia de seu plantão, ele teve a cara de pau para dizer em um palestra na Ordem dos Advogados do Brasil que “os analfabetos jornalistas, que mal sabem versar uma palavra em direito, criticam decisões cujos fundamentos não leram. Eu sabia que seria criticado pela imprensa ao decidir o caso famoso, mas não podia me furtar de decidir. Há juízes no Brasil”.
Verdade que há juízes no Brasil. Há também candidatos como o próprio Noronha, Augusto Aras e o ministro da Justiça, André Mendonça, que disputam uma corrida sem freios para ver quem agrada mais a Jair Bolsonaro, na expectativa de uma indicação para a vaga a ser aberta em novembro com a aposentadoria do decano Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal.
Pode até ser que, mesmo com todos os serviços prestados, nenhum deles emplaque.
A conferir.