Quando era líder de Dilma no Senado, Delcídio do Amaral costumava dizer que a presidente e seu entorno petista tinham complexo de centopeia, tamanha a capacidade de darem tiros no próprio pé.
Desde então, Dilma perdeu o poder, mas não a capacidade de errar.
Antes mesmo de seu impeachment, sua situação na Justiça Eleitoral era bem complicada. Já haviam fortes evidências de abuso de poder econômico na reeleição dela e de Michel Temer. Ficou ainda pior com o avanço da Lava Jato e delações bombásticas como a da Odebrecht, com sua riqueza de detalhes, e-mails, extratos bancários e remessas para o exterior.
Com todas essas informações em seu relatório, na manhã da terça-feira (3) de abril o ministro Herman Benjamin quis pôr o julgamento na pauta do TSE. A expectativa geral é de que ele iria propor a cassação da chapa.
O jogo ali estava assim: a turma de Michel Temer queria ganhar tempo para mudar a composição do tribunal com a substituição de dois ministros por outros indicados por ele. Mas não tomou iniciativa. Os procuradores pareciam apoiar o ministro Benjamin em sua intenção de liquidar logo a fatura. Quem resolveu mexer no tabuleiro foi a defesa de Dilma.
Com o propósito duplo de adiar a decisão e confrontar a acusação com um testemunho de quem cuidava das finanças do governo, os advogados de Dilma propuseram a convocação do ex-ministro Guido Mantega. Levaram. Mal tiveram tempo de comemorar.
Descobriram tardiamente que era tudo o que o Ministério Público queria. Naquela mesma manhã de abril, o ministro Edison Fachin homologou as delações premiadas de João Santana e Mônica Moura, o casal de marqueteiros que sabia de todos os segredos da campanha de Dilma. Assim, Fachin abriu o caminho para os procuradores convocá-los.
O que já era muito ruim para Dilma – e Temer – ficou bem pior.
Até Mantega foi um fiasco. Com medo de ser surpreendido com registros telefônicos, e-mails ou agendas, ele acabou admitindo que, por algumas vezes, Mônica Moura o procurou para cobrar atrasos nos pagamentos da campanha eleitoral.
Em seu depoimento, Mantega disse que, ao ser procurado por Mônica, explicou que esse não era um assunto a ser tratado com ele, ministro da Fazenda. O que torna essa versão, senão inverossímil, no mínimo capenga, é o fato admitido pelo próprio Mantega de que Mônica, mesmo depois de ele dizer para ela procurar outra freguesia, fez a mesma cobrança outras vezes.
Em todas elas, as conversas eram cercadas de cuidados para serem mantidas em sigilo. Com aquele sorriso meio debochado, Mônica diz que não havia como justificar despachos dela à luz do dia com o ministro da Fazenda. Ela cuidava de grana e não dos róseos cenários econômicos exibidos na propaganda eleitoral de Dilma.
Se ainda havia alguma ponta solta, João Santana e Mônica Moura a amarraram em seus depoimentos incontestáveis em relação aos bastidores da campanha eleitoral. Afinal, foram eles quem receberam o dinheiro sujo.
Se a defesa de Dilma não tivesse aberto o flanco, o Ministério Público não teria deitado e rolado nos depoimentos do casal no parecer que tornaram público nessa segunda-feira (15), em que que defende a cassação da chapa. E mais: propõe que Dilma fique inelegível por oito anos — um direito que só preservou até agora por causa de um drible na Constituição da dupla Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski, com o aval do Senado e vista grossa do Supremo Tribunal Federal.
Horas depois da divulgação do parecer, Hermann Benjamin pediu ao presidente do TSE, Gilmar Mendes, para marcar o dia do julgamento. Gilmar prometeu pôr logo em pauta.
Quem acompanha de perto o processo, sem ser parte interessada, avalia que há indícios e provas mais que suficientes para cassar a reeleição de Dilma e de Temer. Ninguém fala em absolvição. Mas também não se encontra alguém, que conheça os tribunais em Brasília, que aposte na cassação da chapa.
Espera-se que alguma mágica saia da cartola do tribunal.
A conferir.