A aposta na troca de apoios e proteção sempre foi sucesso no jogo das elites. Tropeços eventuais nessas pelejas entre poderosos — alguns históricos — ocorreram quando seus maestros perderam a mão e a orquestra desafinou. É essa cacofonia que entra nessa quarta-feira (20) em julgamento no Supremo Tribunal Federal e no Senado da República.
No Senado, o jogo de sempre não funcionou. O presidente Davi Alcolumbre, alimentado pelo pragmatismo de Renan Calheiros e de outros sobreviventes do vendaval eleitoral sobre o Senado, fez pouco caso de boa parte dois terços do Senado eleitos com a promessa de combate à corrupção. Erro crasso de avaliação sobre os eleitores que, contra a turma de Renan Calheiros, o puseram na presidência do Senado.
Aqui se faz, aqui se paga. Davi perdeu o chão. Quem assistiu à sessão plenária do Senado nessa terça-feira (19) pode ver que Renan Calheiros e sua trupe foram atropelados pela nova maioria no Senado. Foi o suficiente para o próprio Davi mudar suas cartas no jogo. Aderiu à tese alternativa de ressuscitar pelo Legislativo a possibilidade de condenados em segunda instância começarem a cumprir pena de prisão. O problema foi a dubiedade da primeira alternativa apresentada, abria brecha para revisões judiciais.
Só se chegou a um acordo, após a retirada alguns jabutis, com mediação da senadora Simone Tebet e a bênção do ministro Sérgio Moro. Esse é o texto praticamente de consenso que será apresentado nessa quarta-feira na CCJ do Senado. Nesses tempos em que se multiplicam narrativas que, por passes de mágica, Sérgio Moro se transmuta de mocinho em bandido, seu aval continua sendo a melhor referência para decisões relativas ao combate à corrupção e ao crime organizado. Em todos os poderes.
Moro vem sendo apresentado como vilão também no Supremo. É o principal personagem, aberto ou oculto, no julgamento que ali começa hoje se é legal a troca de informações entre órgãos de controle e de investigações do Estado, prática comezinha no combate à corrupção nos países democráticos. Ao considerar inadequada essa troca universal de figurinhas, Dias Toffoli, presidente do STF, se arvorou a bisbilhotar todos e quaisquer dados coletados nessa parceria entre entes estatais nos últimos três anos. Pegou muito mal.
Toffoli poderia ter delimitado seu raio de ação. Como tinha uma pendenga pessoal com a Receita Federal, mesmo problema do colega Gilmar Mendes, entrou na pilha de dar um troco. Em vez de se explicarem sobre supostos malfeitos familiares, Toffoli e Gilmar resolveram dar um tranco no sistema de investigação sobre corrupção e lavagem de dinheiro no país. Apostaram no apoio de Rodrigo Maia, parceiro do Centrão, da família Bolsonaro (acuada pelas rachadinhas de Flávio Bolsonaro e outros familiares), do PT e seus aliados, todos alvos de investigação sobre corrupção.
A requisição de dados sobre 600 mil contas de contribuintes e inúmeros relatórios da Receita Federal, Coaf e Ministério Público não foi por uma averiguação. Não existia nenhuma investigação que justificasse nada parecido. Muito pelo contrário. Soou em toda a Esplanada dos Ministérios como chantagem. É o pior sinal que pode ser atribuído ao STF, guardião da Constituição e de todos os direitos democráticos.
Os parceiros do Brasil mundo afora na guerra contra o crime organizado também estão perplexos. As regras nesse combate não podem ser interpretadas segundo as circunstâncias políticas.
As cartas em jogo são maiores, por exemplo, do que tirar ou manter Lula na cadeia. O que está em pauta é até quando haverá jeitinhos jurídicos no país para assegurar a impunidade de sempre dos poderosos de todos os quilates.
A conferir.