Na primeira sessão plenária virtual em sua longa história, o Supremo Tribunal Federal não perdeu a pose. Nada a ver com o fato de Marco Aurélio Mello ter sido o único a votar em trajes informais. A unanimidade nos votos que simplesmente proibiram Jair Bolsonaro de, em uma prometida canetada, revogar medidas de governos estaduais e prefeituras, atendendo a recomendações da Organização Mundial da Saúde, foi uma providencial trava institucional.
Apenas dois ministros estavam no plenário vazio. Dias Toffoli, na presidência, fez questão de enfatizar a necessidade em meio a essa devastadora pandemia do distanciamento social, seguindo a orientação do Ministério da Saúde e da OMS. O recado duro e direto a Bolsonaro, sem nenhuma firula, ficou a cargo de Gilmar Mendes. Em sua cadeira, togado, ele reconheceu a prerrogativa de Bolsonaro de demitir o ministro Luiz Henrique Mandetta, mas advertiu que o presidente não tem poder para, em um cavalo de pau na atual política de combate ao novo coronavírus, impor um política genocida com um liberou geral, à revelia das recomendações médicas. Gilmar avisou que há remédios constitucionais para barrar isso e, numa analogia com os estados, disse que isso é caso de intervenção.
O Congresso tem mandado recados no mesmo sentido. Com todos os cuidados, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre insistem para, em um momento tão grave para o país e o mundo inteiro, Bolsonaro pare de transformar suas birras pessoais em crises políticas. Sua antipatia com Mandetta cresceu na mesma medida em que a atuação de seu ministro passou a ser aplaudida pelo país. Ele já havia tido crise de ciumeira também com Sérgio Moro. A inveja desse sucesso impede inclusive que fature suas próprias escolhas para a equipe de governo.
Mandetta e outros integrantes do governo se queixam de que, após acertarem os ponteiros com o presidente, Bolsonaro os surpreenda com declarações e posturas opostas ao combinado. Ele sequer dar a impressão de falsidade quando concorda com seus interlocutores. Alguma coisa parece acontecer que depois vira a cabeça do presidente. A dúvida é se é só a óbvia influência de seu clã familiar.
Uma pista pode ser dar uma olhada nas redes sociais do guru Olavo de Carvalho. Além dessa notoriedade ter lhe proporcionado a criação de uma verdadeira feira com os mais variados produtos — cursos, palestras, livros, jornal, sites, filme etc — Olavo sistematicamente instiga os bolsonaristas na briga contra outros poderes e a imprensa. É um besteirol que alimenta as redes sociais, inclusive com as mais malucas teorias da conspiração. A China, nosso maior parceiro comercial, virou o berço do demônio.
Antes mesmo da decisão unânime do STF nessa quarta-feira que ratificou a liminar do ministro Marco Aurélio de que estados e municípios, como determina a Constituição, também podem atuar na defesa da saúde pública, Olavo de Carvalho já esbravejava contra o Supremo. “O STF suspendeu todos os direitos constitucionais do povo brasileiro e instituiu o totalitarismo estadual. Não reconheço mais a legitimidade desse grupo de celerados”.
Talvez essa seja a mesma influência do governo sempre empacar no acordo necessário no Congresso para que estados e municípios sobrevivam a pandemia. Se tiver jabuti ou algum outro trambique nas alterativas apresentadas pelo legislativo que eles sejam expostos. Aproveitar a crise para dar golpe é crime de lesa-pátria. Mas o que não é aceitável é achar que o dinheiro público é patrimônio exclusivo do governo federal, danem-se estados e municípios.
Em seu twitter, Olavo de Carvalho afirma que genocídio é “transferir verbas para o Congresso Nacional e governos estaduais para impedir que sejam usadas na fabricação de medicamentos salvadores”. Mais um delírio. Critica, também, a criação por estados e prefeituras de “mecanismos de controle social cada vez mais opressivos e totalitários… Em breve, todo contato humano não autorizado expressamente pelo estado será crime”. Na torta ótica dos olavettes, os governadores João Doria e Wilson Witzel são os inimigos a serem abatidos.
Se é essa a leitura que inspira o presidente e seus filhos, a seríssima pandemia do clovid-19, em vez de ser enfrentada em conjunto pela sociedade e todos os poderes federativos, pode turbinar uma grave crise política e institucional.
A conferir.