Vinte e poucos dias antes do seu término formal, o decano Celso de Mello parece ter posto um ponto final na destrambelhada gestão no STF de Dias Toffoli, sob a batuta de Gilmar Mendes, focada na destruição da Operação Lava Jato. Na noite dessa segunda-feira (17), Celso de Mello suspendeu o julgamento no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) da proposta para afastar o procurador Deltan Dallagnol da coordenação da Lava Jato em Curitiba.
O sucesso dessa manobra era considerado como favas contadas nos inimigos da Lava Jato no STF, no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional. Todos apostavam na aprovação no CNPM do parecer do relator Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho. Trata-se de uma acusação da senadora Kátia Abreu, hoje no PP, que juntou um monte de acusações, algumas como a investigação de um suposto caixa 2 de uma campanha dela, que são parte do ofício de qualquer procurador da República. Na mesma pauta do Conselho constava outro pedido de punição de Dallagnol pelo senador Renan Calheiros. A alegação é de que postagens críticas nas redes sociais por Dallagnol o prejudicaram na disputa em que perdeu, em fevereiro de 2019, a eleição para a Presidência do Senado para o colega Davi Alcolumbre.
O contexto político daquela época e de hoje são relevantes. Em dezembro de 2018, por indicação de Renan Calheiros, Luiz Fernando Bandeira foi eleito quase por unanimidade pelo plenário como representante do Senado do CNMP. Ele era servidor de carreira, secretário-geral da Mesa do Senado, e respeitado entre seus colegas. Pouco mais um mês depois, quando Renan Calheiros tentou, em uma conturbada sessão, retornar à presidência do Senado, Bandeira atravessou o samba para dar uma força para o padrinho.
Ainda como secretário-geral da Mesa, Bandeira foi autor de um controvertido parecer em que dizia que Davi Alcolumbre — único remanescente da Mesa do Senado depois do tsunami eleitoral de 2018 — não poderia presidir a sessão por ser candidato. Assim, quem deveria assumir o comando da eleição no Senado era o senador mais velho, José Maranhão, aliado de Renan. A maioria dos senadores não queria isso. Bandeira foi dispensado do cargo. Renan e Kátia Abreu, na época também escudeira de Renan, seguiram na luta. Kátia chegou a roubar uma pasta na Mesa, em um gesto transmitido ao vivo pelas televisões, para melar a eleição de Davi Alcolumbre. Não deu certo.
Novo acerto de contas estava marcado para essa terça-feira (18) no CNMP. Tirar Dallagnol de campo seria um grande trunfo para todos os adversários da Lava Jato, um troco para lavar a alma dos investigados e punidos na maior operação contra a corrupção no planeta. Uma espécie de cereja do grande bolo, com confeiteiros políticos de todos os naipes, para comemorar a destruição da Lava Jato e do ex-juiz Sérgio Moro. Esticaram a corda o máximo que puderam.
Pegou mal na sociedade e no próprio STF. Nessa segunda-feira, antes mesmo da canetada decisiva de Celso de Mello, o ministro Luiz Fux já havia decidido que uma advertência anterior do CNMP a Dallagnol, também sob a relatoria de Luiz Fernando Bandeira, não poderia ser levada por estar sub judice no Supremo. Se Toffoli, com o incentivo de Gilmar Mendes, quer cortas as asas da Lavo Jato, Fux, que assume a Presidência do STF em 10 de setembro, avalia que ela vem prestando um grande serviço no combate a desenfreada corrupção política no país.
Em sua decisão que barrou a pauta no CNPM, o decano Celso de Mello justificou que ali não se respeitou o direito a ampla da defesa. Foi uma puxão de orelhas no relator. Colegas no Conselho não escondiam o incômodo quando Luiz Fernando Bandeira resolveu pisar no acelerador dando prazos tidos como exíguos para as manifestações das partes. Além da censura ao apressado procedimento, Celso de Mello deu um recado ainda mais importante: “Não se pode silenciar o procurador que coordena a maior operação de corrupção do País”.
É exatamente disso que se trata. Em nenhuma das reclamações e denúncias nas representações contra Dallagnol é apontada a sua participação em alguma falcatrua, ou venda de investigações. Ele é acusado por suas manifestações desde que apresentou aquele power point em que o ex-presidente Lula aparecia como chefe de organização criminosa. Pode ter posto o carro na frente dos bois? Pode. Mas Lula respondeu — e ainda responde — a denúncias formais e já foi condenado em duas instâncias judiciais, até agora mantidas nos tribunais superiores. As críticas às decisões do próprio STF e a Renan Calheiros — um dos recordistas de investigações sobre corrupção — são direito de Deltan Dallagnol e de qualquer cidadão.
A Lava Jato continua sob intenso tiroteio do mais amplo arco de forças políticas já montado no país. Mesmo assim, sua resiliência é exemplar. Até quando vai resistir?
A conferir.