No auge da pandemia, em que o Brasil é seu epicentro no planeta, tem certas questões que parecem simplesmente surreais. Desde sábado passado, quando a canetada do ministro Nunes Marques ignorou decisão do próprio STF e excluiu templos e igrejas das restrições contra aglomerações por questões sanitárias — determinadas por governadores e prefeitos — rolou um festival de insensatez.
Primeiro pôs gás, como já expus aqui, a disputa maluca entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o advogado-geral da União, André Mendonça, por quem veste melhor o figurino de “terrivelmente evangélico”, critério prometido por Bolsonaro na escolha do próximo ministro do STF. Foram além de suas atribuições e fizeram papel ridículo no julgamento no Supremo. Mendonça parecia um pastor no púlpito.
Evidente que com o objetivo de agradar Bolsonaro, a dupla que, na reta final, perdeu a corrida para Nunes Marques na disputa pela vaga de Celso de Mello, pode colher nova desilusão. As apostas no governo é que o favorito hoje é o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, também evangélico, com bom trânsito na base governista, e bons e recentes serviços prestados, pela ótica do clã Bolsonaro.
Todos já sabiam que o teatro jurídico na defesa da exclusão de cultos e missas das regras de isolamento social em um um momento tão grave na pandemia não daria em nada. O que mais surpreendeu no placar de 9 a 2 contra essa absurda exceção foi o voto do ministro Dias Toffoli, que, sem nada justificar, endossou a posição de Nunes Marques. Nos meios jurídicos em Brasília, Toffoli é apontado como um dos principais padrinhos da candidatura de Humberto Martins à vaga a ser aberta em julho com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.
O fato de todos saberem que não havia chance de vitória no STF só realça o jogo de cena. Bolsonaro, por exemplo, acredita ter ganho com seu empenho nessa batalha preciosos e numerosos votos entre os evangélicos. Era tudo que queria. Mas a derrota não fez sequer cosquinha. O que de fato doeu foi outra decisão no tribunal tomada longe dos holofotes.
A canetada do ministro Luís Roberto Barroso mandando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, instalar a CPI da Pandemia, cujos subscritores cumpriram todas as regras constitucionais, ligou o alarme no Palácio do Planalto. Uma investigação no Senado, com os poderes de uma CPI, se seriamente levada avante, tem inúmeros crimes a apurar.
Como sempre que fica com medo, a primeira reação de Bolsonaro foi de cautela. Disse em entrevista a CNN Brasil que “o que menos precisamos é conflito”. Depois, deu uma escorregada quando lembrou que há vários pedidos de impeachment de ministros do STF parados no STF. São alguns, muito menos que os mais de 100 pedidos de impeachment de Bolsonaro na gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira, acumulados desde a presidência de Rodrigo Maia.
Mas quem falou pelo governo foi o ministro das Comunicações, Fábio Faria, que entrou na onda de Rodrigo Pacheco de que uma CPI agora não ajuda a resolver o grave momento da pandemia. Ele se manifestou pelo Twitter. “Num momento em que todos pedem união entre os poderes, nos surpreendem decisões sobre uma CPI que em nada contribuirá para vencer a pandemia. Nossos esforços não deviam estar concentrados em combater a Covid-19 e vacinar os brasileiros? É hora de união, não de politização e caos”.
Bolsonaro e sua trupe que apostam em tempo integral no conflito. quando sentem a brasa sob seus pés, falam em paz e união. Acredite quem quiser. O fato é que o temor dessa CPI motivou a troca do incompetente general Eduardo Pazuello pelo médico Marcelo Queiroga no Ministério da Saúde. E na demissão do desastrado Ernesto Araújo no Itamaraty. Criou-se, assim, a ilusão de uma blindagem, que agora pode ruir.
A conferir.