Façamos a revolução antes que o povo a faça. Essa frase, atribuída a Antonio Carlos de Andrada, governador de Minas Gerais na República Velha, sempre foi a melhor expressão da esperteza das elites políticas e econômicas do país. Foi-se a República Velha, o Estado Novo, a volta da democracia pós Segunda Guerra Mundial, a ditadura militar, a Nova República, o é dando que se recebe de José Sarney, o tombo de Fernando Collor, o freio de arrumação de Itamar Franco e um ciclo prodigioso, menos na política, nos governos Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva.
Como até o próprio Lula reconhece, em conversas reservadas, Dilma Rousseff foi seu erro de avaliação e um acidente de percurso na política brasileira. Mas, se a história política do país é um vai e vem, a Justiça sempre pareceu estratificada, pouco reativa. Não mais. Quase todos os caciques do país estão enrolados em gravações em que podem ser denunciados por obstrução de justiça. Até o ex-presidente José Sarney, um especialista em escapar de situações embaraçosas, caiu na armadilha do ex-senador Sérgio Machado, e sugeriu atalhos para tentar influenciar o ministro Teori Zavascki, inclusive em conversas com a participação do presidente do Senado, Renan Calheiros.
Ao dizer que César Asfor, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça, e o advogado Eduardo Ferrão poderiam fazer a cabeça do ministro Teori, Sarney cometeu pelo menos dois erros. Vendeu uma influência que não tem e mostrou não saber nada sobre o ministro Teori, uma unanimidade sobre o rigor técnico e correção com que desempenha o papel de juiz.
Mostrou também que o senador Romero Jucá não foi um ponto fora da curva. Até agora, pelo menos ele, Sarney, e Renan estão no mesmo barco. Os investigadores dizem que tem mais gente grampeada e diálogos gravados ainda mais comprometedores. Foi o tempo em que a Justiça era o porto seguro da elite política. Fernando Collor, por exemplo, foi destronado do poder pelo Senado Federal no primeiro impeachment da nossa história e absolvido pelo Supremo Tribunal Federal.
Mesmo punido com a perda do mandato, Collor se sentiu livre para continuar a ser o Collor de sempre. A exemplo da maioria dos caciques políticos dos país, sua avaliação é de que a lei só vale para os outros. Agora, Fernando Collor nem corre risco no Senado. Mas está pela bola sete na Justiça. Os investigadores encarregados do seu caso apostam que, desta vez, ele não escapa. Não é só ele. A porteira foi aberta e e muitos caciques políticos estão sendo investigados e serão julgados de verdade.
Há um desespero entre os políticos. Como nunca antes na história do país, o mundo deles está desabando. Com raras exceções, a queda é geral. Alguns se anteciparam, na falsa perspectiva de barrar o competente trabalho da força tarefa em Curitiba, e acabaram se entregando em conversas e gestos pilhados pelas investigações. Nesse festival de incontinência verbal, captada em diálogos gravados, nós já ouvimos Lula, Dilma, Delcídio, Mercadante, Romero Jucá, Jaques Wagner, Rui Falcão, Sergio Machado, José Sarney, Renan Calheiros, e muitos outros ainda não divulgados. Em todos eles, há um temor obsessivo em relação ao juiz federal Sérgio Moro.
Sérgio Moro, não há dúvida, é um craque em seu ofício. Mas nem de longe isso é o mais importante. O que os políticos de quase todos os quadrantes fingem ou não conseguem entender é que a Constituição de 1988 criou as bases para uma mudança estrutural no estado brasileiro. A peça chave dessa construção foi o papel do novo ministério público, com independência e amplo horizonte para as mais variadas demandas da sociedade.
Quem acompanhou a Constituinte sabe que isso foi aprovado, mesmo contrariando a vontade de grande parte dos constituintes, graças ao aval de Ulysses Guimarães ao trabalho de formiguinha dos procuradores da República Álvaro Augusto, José Roberto Santoro e Roberto Gurgel, entre outros. Redesenhou, também, o papel da Polícia Federal, dando-lhe protagonismo como polícia judiciária.
O próprio Judiciário foi reinventado. Ao mesmo tempo, dentro do foco dessa avaliação, preservou o que havia de bom na máquina pública, como o Banco Central, a Receita Federal… Esse arcabouço sobreviveu a todas as crises políticas e tentativas de aparelhamento. Com o aval das ruas, esse conjunto de instituições está levando à Justiça muito mais do que grandes empresários, caciques políticos e funcionários corruptos. O que está no banco dos réus é a impunidade. Essa, sim, pode ser um resgate de 500 anos.