Jader Barbalho e Renan Calheiros ganharam musculatura política quando superaram o medo e enfrentaram Antônio Carlos Magalhães, então todo poderoso no Senado Federal. O que eles mais aprenderam nesse embate com ACM foi a arte de amedrontar adversários. A dupla aprimorou o talento para a sedução política na convivência com José Sarney. Esse quarteto, com breves interregnos, há décadas dá as cartas no Senado.
Montaram um sistema de dominação tão enredado que até agora nada fugia ao controle deles. Nada resistia também a capacidade deles de impor sua vontade. Em seus jogos internos, regras regimentais, Leis e até a Constituição só valiam enquanto não atrapalhassem o exercício do poder. Assim criaram precedentes para toda e qualquer violação legal por maiorias eventuais.
Como sempre tiveram o comando das Mesas do Senado nada escapava. O que por acaso ficava fora de controle aqui era contido ali. O sistema sempre se reproduzia porque tinha uma trava de segurança. Atos secretos, interpretações regimentais de acordo com a ocasião, e até o drible na Constituição para manter os direitos políticos de Dilma Rousseff, tudo valia desde que com o aval do sistema que se traduzia como maioria.
Mas maioria depende mais de voto do que de magia. Além de uma renovação sem precedentes na história moderna do Senado, as últimas eleições também fizeram uma limpa na Mesa do Senado. Mesmo os favoritos não foram reeleitos. Sobrou na Mesa na rabeira das suplências o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), político sem maior expressão inclusive em seu próprio partido.
Davi surpreendeu ao se lançar candidato a presidente do Senado. Não foi levado muito a sério. Aqui e ali apareceram notinhas de que teria o apoio de Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil no governo Bolsonaro. Alguns desdenhavam. Diziam que era uma mera simpatia de Onyx por ele ter se casado com uma assessora de Davi no Senado.
Desde o início, a disputa no Senado era sobre quem enfrentaria Renan Calheiros. Pelas peculiaridades dessa corrida, alguns favoritos foram perdendo fôlego. Com uma boa mãozinha de Onyx, Davi continuou correndo por fora enquanto todas as atenções se voltavam para Simone Tebet. Então líder do MDB, ela sempre foi a principal opção de consenso entre as forças anti-Renan e a sua principal adversária no MDB. Sua identificação com operações como a Lava Jato, que deveria ser ponto a favor, virou motivo de sua maior rejeição na tropa de Renan.
A estratégia de Renan foi a de sempre. Nega ser candidato, costura apoios de fora, e assegura a sua indicação pelo MDB. Sua turma desdenhava d possibilidade de Simone Tebet vencer a disputa interna. Diziam que, se não desistisse antes, ela perderia de goleada em uma votação na bancada. Na véspera, filiaram Eduardo Gomes para não correrem risco e conseguiram uma mal explicada ausência de Jarbas Vasconcelos. Com tudo isso, venceram por apertados 7 a 5, com o senador Fernando Bezerra ainda tendo de se explicar porque mudou de posição.
Vitória de Pirro. Os adversários de Renan comemoraram. Foi assim que, no final da noite da quinta-feira (31), Davi Alcolumbre virou o favorito entre os candidatos anti-Renan, pois já contava com o apoio palaciano e o trunfo por herdar a presidência provisória do Senado. Outras forças, mesmo a contragosto, também resolveram em algum momento apoia-lo. ” Se ele conseguir sentar na cadeira na sessão de posse, ninguém mais o tira”, ouvi na madrugada de sexta-feira de um das mais ativas articuladoras da frente anti-Renan.
Ontem isso meio que se confirmou. O favoritismo de Renan, cantado em verso e prosa, subiu no telhado. Davi Alcolumbre sentou na cadeira da presidência do Senado e de lá não saiu. Agarrou-se a interpretações casuísticas do Regimento Interno para dar um banho nos adversários. Seus defensores, além do argumento de que as ruas cobram transparência, bateram na tecla dos precedentes abertos por Renan sempre que isso lhe foi favorável.
O feitiço virou contra o feiticeiro. Nessa sexta-feira, o plenário do Senado atropelou o regimento e aprovou pelo placar de 50 votos a 2 o voto aberto na eleição para presidente do Senado. Uma surra. Bateu desespero na turma de Renan. Ele mesmo deu várias mostras de destempero. Em uma delas, quando cruzou olhar com o senador Tasso Jereissati, disparou: “O responsável por isso é você. Coronel, cangaceiro”. Tasso, que estava sentado, retrucou: “você vai para a cadeia”. Renan pagou o mico de chamar Tasso para uma briga física. “Seu merda, venha para a porrada”.
Só a senadora Katia Abreu se expôs mais ao ridículo do que Renan pela causa de Renan. Ela fez um papelão. Curioso é que, na eleição presidencial, Katia foi vice de Ciro Gomes que só se referia a Renan como membro de uma quadrilha que assaltava o dinheiro público. O papel que senadores experientes desempenharam diante dos novatos foi deprimente. Sobrou um impasse.
Em algum momento, a partir dessa manhã, ele vai ser superado. Com certeza na prateleira de precedentes de Renan e de seus antecessores há soluções para toda e qualquer alternativa.
A conferir.