Quem conhece de perto Raquel Dodge afirma que as apostas de que ela vai pisar no freio na Lava Jato são no mínimo equivocadas. O fato de ser apoiada por enrolados caciques do PMDB não pode ser comprado pelo valor de face. A própria atuação de Rodrigo Janot recomenda essa cautela.
Janot chegou ao comando da Procuradoria-Geral da República com o apoio decisivo da ala no Ministério Público mais identificada com o PT. Eugênio Aragão, último ministro da Justiça de Dilma Rousseff, foi um de seus principais cabos eleitorais.
Quando Janot endossou denúncias contra Lula e apoiou o impeachment de Dilma, essa turma se sentiu traída.
Como Rodrigo Janot, Raquel tem uma longa e impecável carreira profissional. No passado, eles inclusive jogaram no mesmo time. Depois, tornaram-se antagonistas.
Na campanha interna para a eleição da lista tríplice, Raquel virou o alvo a ser abatido pela turma de Janot, que tem forte militância na associação nacional dos procuradores. Pelo que se lia na imprensa, a impressão era de que Raquel, apontada como adversária da Lava Jato, poderia estar queimada entre os colegas.
Sua expressiva votação mostrou que os tais ataques não produziram os resultados esperados.
É que seus colegas a conhecem, acompanham sua dedicação ao trabalho, e sabem que ela é uma profissional metódica, competente e séria. E corajosa.
Quem acompanhou a força tarefa no Acre, chefiada pelo procurador José Roberto Santoro, conta como a franzina Raquel, a única mulher do grupo, impunha respeito ao tomar depoimentos de temidos assassinos do bando de Hildebrando Pascoal, aquele da motosserra.
Em Brasília, ela comandou a Operação Caixa de Pandora que prendeu o então governador José Roberto Arruda e escancarou a corrupção generalizada na capital do país. Nessa operação, teve problemas de relacionamento com a Polícia Federal. Os delegados a definiam como “mandona”.
Alguns de seus colegas no Ministério Público dizem que a avaliação dos policiais estava correta.
A praia de Raquel Dodge no Ministério Público nem era o combate à corrupção. Desde que lá chegou em 1987, seu foco foram os direitos humanos. Populações indígenas, Sistema Único de Saúde, preservação do meio ambiente e a pistolagem nos rincões do país foram sua principal pauta. O procurador Mário Lúcio Avelar, seu amigo, quase morreu numa das investidas contra a bandidagem no interior do Pará.
Trabalho escravo é um capítulo à parte. Ela se dedicou intensamente a causa. Ajudou a montar um banco de dados que deu eficácia a esse combate. Foi também sua tese de mestrado em Harvard.
O apoio de investigados, como José Sarney, Renan Calheiros e Michel Temer, evidentemente não é uma boa referência. Mas quem acha que, por causa disso, Raquel Dodge se tornará um Geraldo Brindeiro de saia vai quebrar a cara.
Raquel é uma das mais apaixonadas defensoras da instituição Ministério Público. Aprendeu isso em casa. Seu pai, José Ferreira, foi um respeitado professor de inglês e advogado em nossa Morrinhos. Saiu dali quando se tornou juiz de Direito no então Norte de Goiás, hoje Tocantins. Depois, aprovado em novo concurso, virou procurador da República e veio para Brasília.
Pode conferir.