Quem é o golpista, Temer ou Dilma?

Soldado do Exército monta guarda na rampa do Palácio do Planalto. Foto Orlando Brito

Desde o império, as relações entre civis e militares no Brasil são complicadas. A proclamação da República por um marechal monarquista, Deodoro da Fonseca, é um exemplo desse imbróglio. Ao longo do Século XX, vivemos oásis democráticos em meio a desertos ditatoriais. A Constituição de 1988, a melhor referência democrática de nossa história, deveria ser um pacto contra retrocessos. Desde então, os militares têm sido exemplares na obediência ao que muitas vezes desrespeitaram no passado.

Depois da Constituinte, todos os governos assumiram compromissos com o resgaste democrático e a condenação de ditaduras militares. Às vezes, há contestação ao que se perdoou na transição democrática. Mas até aonde se sabia, nenhuma força civil, muito menos um governo, namorou com um golpe militar, aberto ou disfarçado, para se manter no poder.

Mas tem uma história quicando que merece ser melhor esclarecida. Em setembro de 2015, a então presidente Dilma Rousseff assinou o decreto 8515 em que transferia prerrogativas dos comandantes militares para o ministro da Defesa, inclusive a de quem deveria ser promovido ou não nas três Forças Armadas. Na época, fontes governistas minimizaram a decisão. Uns disseram que foi uma solução para nomear o sargento marido da ex-senadora Ideli Salvatti para uma comissão militar em Washington.

Outros atribuíram a decisão a uma trapalhada de Eva Chiavon, quadro petista que teria aproveitado a ausência do ministro Jaques Wagner,  para empurrar essa medida à presidente Dilma, que a assinou sem entender bem porque. Acredite quem quiser em justificativas tão simplistas para uma canetada que tanto incomodou os militares.

Na manhã da sexta-feira (1), o presidente Michel Temer, em ato com a presença dos comandantes militares, revogou o decreto 8515. Nos meios militares, isso foi comemorado como uma vitória da profissionalização das Forças Armadas. Os civis também têm o que aplaudir.

Aos fatos. Em 19 de maio de 2016, o Diretório Nacional do PT, a pretexto de fazer um balanço sobre os 13 anos do partido no poder, aprovou uma resolução que, entre outras barbaridades, afirma que, no governo, falharam “em modificar os currículos das academias militares e promover oficiais com compromissos democráticos e nacionalistas”. Por que esse arrependimento? O PT imaginava que, ao estalar dos dedos, os militares ficariam do seu lado contra um suposto golpe parlamentar para derrubar Dilma Roussef?

No começo de abril, Dilma foi a Salvador participar de uma cerimônia de apresentação de um novo navio da Marinha. O governador petista Rui Costa, a pretexto de uma manifestação fora da solenidade de um grupo contra o impeachment, dirigiu-se à plateia de militares e conclamou:”Em uma democracia, as Forças Armadas existem inclusive para isso: para defender nossa Constituição, a legalidade e a legitimidade do voto”. Em outros tempos, seria chamado de vivandeira de quartel.

Mas a tentativa do governo Dilma de obter o apoio dos militares contra o impeachment ganhou contornos perigosos no começo do ano. Há meses, circula uma história em Brasília. Fontes confiáveis me confirmam agora que, atendendo Dilma, o ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo pediu mesmo um estudo sobre a decretação do Estado de Defesa, uma emergência constitucional em que a presidente da República poderia, por exemplo, tentar melar seu processo de impeachment. O pretexto seriam as manifestações convocadas por partidários pró e contra Dilma, o que poderia provocar confrontos nas ruas.

O propósito era se antecipar às manifestações e enquadrá-las no artigo 136 da Constituição que, entre outros motivos, prevê a adoção do Estado de Defesa quando”a ordem pública e a paz social estiverem ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”. Consultados por Aldo Rebelo, os comandantes militares reagiram e deram um recado bem claro de que não embarcariam nessa aventura. Ou, na palavra da moda, no golpe.

 

 

 

 

 

 

 

 

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