Desde o segundo governo Dilma Rousseff, caciques políticos conspiram para tirar de seus cangotes investigações dos órgãos de controle estatais. Naquela época parecia um time imbatível — alguns estavam no auge do poder. Lula, José Sarney, Aécio Neves, Renan Calheiros, Michel Temer, Eduardo Cunha, Delcídio Amaral, entre outros, de alguma forma participaram desse jogo. O que os unia era o receio de que a operação Lava Jato, cada vez mais forte, saísse de controle e atropelasse a todos.
Não deu certo com Dilma. A resistência dela, até aos argumentos do padrinho Lula, foi atribuída a influência dos ministros Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardozo. Um via a oportunidade para ela se ver livre de todos eventuais concorrentes, inclusive L
ula, o outro temia que um passo em falso levaria Dilma para o centro do escândalo.
Diante desse fracasso, os caciques aparentemente tomaram rumos diferentes. Mas todos apostaram que, após o impeachment de Dilma Rousseff, Michel Temer saberia por ordem na casa. Mesmo sob forte pressão, Temer tentou tocar o barco com a cautela de sempre. Em maio de 2017, ele foi atropelado pelo escândalo com a JBS e perdeu a força política necessária para operar as mudanças pedidas pelos cardeais partidários. Em uma das gravações, Aécio Neves explica a Joesley Batista o plano de nomear delegados federais amigos para presidir os inquéritos dos principais líderes políticos. O tombo foi grande.
Um mês depois, Michel Temer indicou Raquel Dodge para o comando da PGR, uma escolha menos hostil que Rodrigo Janot, mas que não dava para manipular. Ainda tentou trocar a chefia da Polícia Federal numa operação desastrada que foi mais um tiro no próprio pé. Durante a sucessão presidencial, integrantes dos órgãos estatais de controle e investigação tentavam identificar quem poderia — ou não — intervir em seus trabalhos. Jair Bolsonaro, que surfava nos resultados das operações de combate à corrupção, não pareceu a muitos como um perigo nesse quesito. A escolha de Sérgio Moro para superministro da Justiça e Segurança Pública, com alardeada carta branca de Bolsonaro para o combate à corrupção e ao crime organizado, alimentou essa ilusão. “Eu disse que não vou interferir em absolutamente nada que venha a ocorrer dentro da Justiça no tocante ao combate à corrupção. Mesmo que venha a mexer com alguém da minha família no futuro, não importa. Eu disse a ele: É liberdade total para trabalhar pelo Brasil´.".
Pouco meses depois essa pomposa promessa de Bolsonaro virou pó. Ele fez do ministro Dias Toffoli seu parceiro preferencial e se encantou com o poder da caneta do presidente do STF que suspendeu a investigação do senador Flávio Bolsonaro, o 001, e, de quebra dezenas de outras apurações. A partir daí, resolveu endossar a narrativa de Toffoli, Gilmar Mendes, Rodrigo Maia e muitos outros caciques políticos, e também passou a se dizer vítima de perseguições de órgãos com o Coaf, a Receita Federal, o Ministério Público, e a Polícia Federal.
Esse discurso em si, que bate de frente com a pregação de Sérgio Moro, pode ter um custo político para Bolsonaro com parte dos seus eleitores. Mas ele foi além: transformou essa suposta perseguição contra sua família em uma guerra particular. Partiu para o desmanche dessas instituições — com a abertura para indicações políticas para o órgão que vai substituir o Coaf e pôs a estratégica Receita Federal na berlinda — e encantou seus novos parceiros e alguns de seus mais ferrenhos adversários.
Seus aliados dizem que a intenção é escolher um procurador-geral da República com a tarefa específica de esvaziar a Lava Jato. O favorito da vez, o apagado subprocurador geral Antônio Carlos Simões Martins Soares, com o trunfo do aval de Flávio Bolsonaro, já abriu o jogo, em entrevista à Folha de S Paulo: “Eu sou um homem ético, sempre fui muito combativo, porém nunca usei métodos ilícitos, como é comum. Agora vocês estão descobrindo que lá em Curitiba foram utilizados recursos que não podem ser considerados como lícitos. Isso eu não faço. Esse é um ponto que me difere do que está por aí”.
Nessa ofensiva presidencial sem precedentes desde o início da operação Lava Jato, Bolsonaro teve que recuar na trombada com os policiais federais, mas o estrago já estava feito, com a precipitada substituição do superintendente da PF no Rio de Janeiro. A voz corrente entre policiais federais é que o alvo de Bolsonaro ali foi o avanço de investigações sobre as milícias no Rio de Janeiro e seu envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco. Pode ter sido outro tiro no pé. Elucidar esse caso, com a identificação dos mandantes e de seus eventuais padrinhos políticos, é um firme propósito de policiais federais e de investigadores de outros órgãos. Uma ordem de cima, além de não surtir o efeito esperado, pode virar o fio de uma meada que leve uma investigação sobre obstrução de justiça ao gabinete de Bolsonaro no Palácio do Planalto.
Bolsonaro está mexendo em caixas de marimbondo.
A conferir.