Até os mais empedernidos oponentes de Jair Bolsonaro imaginavam que ele aprendesse alguma coisa com a responsabilidade de governar um país da dimensão do Brasil. Pelo menos aprendesse a dar menos tiros no próprio pé. Não é o que está acontecendo. A constatação generalizada entre políticos, alta burocracia, e todos que acompanham de perto o jogo político em Brasília é de que Bolsonaro, sempre que pode, atrapalha o sucesso das mais relevantes iniciativas de seu governo. Nem é por suas coisas positivas, como a rejeição do toma lá, dá cá, meta diuturna das forças agregadas em torno do Centrão.
O problema é que fora da meia duzia de slogans, suas tradicionais bandeiras eleitorais, Bolsonaro não se mostra compromissado com os principais projetos de seu governo. Há tempos ele rifa nos bastidores alguns poderes que concedeu a Sérgio Moro, o caso do Coaf é o mais badalado, mas recua quando cobrado por aliados do ministro da Justiça. O estrago maior nesse vai e vem é na economia, em que causou prejuízos na Petrobras, Banco do Brasil e em outras empresas estatais. Parece que foi só um aperitivo.
Nessa terça-feira (14), o ministro Paulo Guedes foi ao Congresso chorar pitangas. Traçou um quadro dramático sobre a economia do país, que, segundo ele, chegou ao fundo do poço: “O buraco da Previdência virou um buraco negro fiscal que ameaça engolir o Brasil”. Apresentou uma conta sem precedentes: pediu que o parlamento conceda um crédito suplementar ao governo de estratosféricos R$ 248 bilhões.
Discriminou como esses recursos seriam usados para tapar quatro grandes rombos, em áreas bem sensíveis: 1) — R$ 200 bilhões com a Previdência; 2)- R$ 30 bilhões com o BPC, o Benefício de Contribuição Continuada, outro braço da Previdência; 3) — R$ 6 bilhões com a Bolsa Família; 4) — R$ 10 bilhões com o Plano Safra.
Para fazer um pedido de tal monta, o governo diz que, através de grandes contingenciamentos no Orçamento, está fazendo o dever de casa até que o Congresso aprove a Reforma da Previdência. O que causou mais barulho — até por ter se tornado um palanque da cruzada do ministro Abraham Weintraub e do guru Olavo de Carvalho contra as universidades públicas — foi o corte na Educação.
Com a viagem de Rodrigo Maia para Nova Iorque, a previsão era de uma certa trégua na Câmara. As bravatas do Major Vitor Hugo, um líder do governo que ainda se movimenta como um estranho no ninho entre os colegas deputados, entornaram o caldo. Todas as forças políticas concordaram com o troco de transferir para o plenário da Câmara o depoimento do polêmico ministro Weintraub marcado para as comissões. Major Vitor e seu parceiro Delegado Waldir, líder do governista PSL, num gritante amadorismo, pediram verificação na votação. Resultado: acachapantes 307 votos contra 82.
O que está ruim sempre pode piorar. Doze deputados, entre os quais cinco líderes, foram curar a ressaca da derrota com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Saíram de lá eufóricos. Disseram que conseguiram reverter os cortes na Educação na véspera de greves e manifestações de professores e estudantes país afora. Contaram que Bolsonaro telefonou para o ministro da Educação, não quis nem ouvir ponderações, e mandou suspender os cortes.
O tiro que parecia em Weintraub acertou em Paulo Guedes e na equipe econômica. Se um telefonema de Bolsonaro era o suficiente para a suspensão de cortes, a situação econômica não era tão dramática. A reação foi imediata: “Não procede a informação de que haverá cancelamento do contingenciamento no MEC. O governo está controlando as contas públicas de maneira responsável”, desmentiu a Casa Civil de Onyx Lorenzoni em nota à imprensa. Em outra nota, o Ministério da Economia afirmou que a Presidência da República não pediu a revisão no contingenciamento. O MEC ainda foi mais longe: negou que o ministro tivesse sequer recebido o telefonema de Bolsonaro. A deputada Joice Hasselmann, líder do governo no Congresso, classificou a suposta ligação de “boato barato”.
Foi o suficiente para subir o tom no barraco governista. Alguns líderes confirmaram ter assistido a ligação. “O presidente anunciou para oito líderes de partidos. Nós fizemos um apelo para que o ministro da Educação não cortasse. Ele ligou para o ministro e falou: `Não vamos cortar`. Falou que não há necessidade de fazer esse corte agora”, contou o deputado José Nelto, líder do Podemos na Câmara. O Capitão Wagner, líder do Pros na Câmara, foi à tribuna, se disse indignado com o desmentido e detonou:
— Não vou admitir, sendo aliado do governo, ser chamado lá no Palácio do Planalto para tratar uma questão séria como essa, presenciar o presidente da República pegar um celular, ligar para o ministro, na presença de vários líderes partidários, e, com todas as letras, o presidente disse que, `a partir de agora, o corte está suspenso`. Se o governo não sustenta o que o presidente falou na frente de 12 líderes partidários, não sou que vou passar por mentiroso perante a Nação”.
Abraham Weintraub é descrito até por seus aliados como arrogante. Perfil parecido com Cid Gomes, ministroy da Educação no governo Dilma Rousseff, que peitou os deputados no plenário da Câmara. Ele saiu satisfeito com seu desempenho. Mas ali perdeu o cargo.
Além de todas as polêmicas na Educação, Weintraub vai ser cobrado sobre a suposta conversa com Bolsonaro. Se confirmar, vai deixar o chefe mal. Se desmentir, pode sofrer réplica de alguns dos 12 deputados que estiveram na audiência com Bolsonaro.
De um jeito ou de outro, Bolsonaro arranjou mais uma encrenca para seus ministros.
A conferir.