Sob a batuta de Arthur Lira, o governo abriu os cofres na feira livre de votos na Câmara dos Deputados. Pagou caro, expôs mais uma vez a turma que se diz oposição mas não resiste a boas ofertas, e obteve uma vitória na margem de erro. Apenas quatro votos asseguraram a aprovação em primeiro turno da polêmica PEC dos Precatórios.
Claro que foi uma vitória de Arthur Lira, que em parte entregou ao Planalto a mercadoria encomendada, mas parece pouco para tamanho investimento. O problema foi o estrago causado pelo arrastão de votos em partidos dito oposicionistas, com candidatos presidenciais na praça. A reação começou com a ameaça de Ciro Gomes, no momento em terceiro lugar na corrida ao Planalto, de chutar o pau da barraca.
Ciro Gomes pôs a boca no trombone por 15 dos 24 deputados federais do PDT terem votado a favor da tal PEC. O inexplicável é porque 4 dos 5 parlamentares eleitos pelo PDT do Ceará, tidos como ciristas de raiz, também definiram seus votos no balcão de Lira/Bolsonaro.
Na roupa suja que passou a ser lavada, os cearenses André Figueiredo e Eduardo Bismarck negaram qualquer traição ao partido e a Ciro Gomes. Contaram que antes de fechar o acordo com Arthur Lira de alguma forma receberam o aval do presidente do PDT, Carlos Lupi, do senador Cid Gomes e até do governador do Ceará, Camilo Santana, um petista parceiro do clã Ferreira Gomes. Pelo andar da carruagem, haverá uma reversão na maioria dos votos pedetistas. Pelo menos 4 dos 15 deputados, que estão com as malas prontas para a troca de partido, manterão seus votos.
O freio de arrumação puxado por Ciro Gomes mexeu também com outros partidos postulantes do protagonismo na chamada terceira via na corrida presidencial. Quem de cara entrou na berlinda foi o PSDB. Nada menos que 22 dos 32 deputados tucanos votaram com o governo. Para alívio de João Doria, os 6 parlamentares de São Paulo votaram contra. Mas a turma liderada por Aécio Neves, inclusive coordenadores da campanha de Eduardo Leite, votaram a favor da PEC. Um deles, Lucas Redecker, teria votado por entender que essa era orientação do governador gaúcho.
Também pode ocorrer reversão em boa parte dos votos tucanos. Essa onda pode crescer se outros presidenciáveis, como Sérgio Moro e Rodrigo Pacheco, influenciarem nos votos de suas bancadas. Arthur Lira aposta no cofre sem fundo do governo para manter pelo menos boa parte desses apoios e conquistar votos entre os 30 governistas que refugaram na primeira votação.
Tudo somado e subtraído, o jogo continua aberto. O risco de derrota do governo é tão grande quanto a disposição de Arthur Lira de escancarar os cofres para atender o insaciável apetite de seus colegas. Outra peça relevante nesse tabuleiro é a mobilização de grandes escritórios de advocacia que ganham fortunas com precatórios.
A farra com precatórios é um dos manás que sobrevivem a sucessivos escândalos. Em meados da década de 1990, uma CPI no Senado — criada pela persistência do senador Vilson Kleinübing e das apurações do excelente repórter José Ribamar de Oliveira Júnior, meu amigo Zé de Riba que nesse caso nos ensinou o caminho das pedras — escancarou os bastidores e as negociatas no mercado de precatórios. A CPI voou alto, mas, como tantas outras que pegaram políticos de todos os naipes, acabou em pizza.
O fato de ter maracutaias entre os precatórios não justifica calotes de governos a quem penou durante anos na Justiça para receber o pagamento devido. Cabe a órgãos de Estado como a Advocacia-Geral da União separar o joio do trigo.
Mas não são os precatórios que estão em jogo, até porque pelo bem ou pelo mal são dívidas com sentenças transitadas em julgado. A bem da verdade, o que também não está nesse jogo é a urgência para saciar a fome de milhões de brasileiros seja com Bolsa Família, Auxílio Brasil ou prorrogação do auxílio emergencial. Isso se resolve até de maneira consensual.
O problema são os bilionários penduricalhos que vêm junto. Há enorme prejuízo no mercado financeiro e em toda a economia por furarem a âncora do teto de gastos. Esse é o mais visível e o que expõe o fiasco na conta de ganhos e perdas. Mas talvez não seja o mais predador.
A expectativa dos que inflaram a PEC é aumentar o tal orçamento secreto, com a execução a cargo de Arthur Lira, que pode tornar as pedaladas fiscais que justificaram o impeachment de Dilma Rousseff em lambaris num mar de tubarões. O que está efetivamente em jogo na votação da Pec dos Precatórios são chaves dos cofres públicos. São bilhões sem destinação específica a serem gastos em ano eleitoral.
É um butim tentador para os políticos. O problema é o custo para o país.
A conferir.