Semanas atrás escrevi aqui que, no embalo do sucesso da triangulação entre Rodrigo Maia, Dias Toffoli e Jair Bolsonaro para emplacar o juiz de garantias, o establishment político pautou a próxima derrota de Sérgio Moro na queda de braço que há anos travam em Brasília. Resolveram aproveitar o foguetório de Moro com os resultados obtidos no combate à violência e ao crime organizado para ressuscitar a proposta de desmembrar a Segurança Pública do Ministério da Justiça.
Esse movimento pegou Moro de surpresa. Palas conversas internas e declarações públicas de Bolsonaro, ele esperava que o assunto estivesse encerrado. Como a mudança depende de iniciativa exclusiva da Presidência da República, o ministro avaliou que a volta dos rumores, na virada do ano, era mais uma marola brasiliense. Poderia até ser.
Mas, na tarde dessa quarta-feira (22), ficou evidente que há uma forte articulação para dividir o ministério de Moro. Em reunião no Palácio do Planalto, os integrantes do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública pediram a Jair Bolsonaro a recriação do ministério da Segurança Pública. Horas antes, em um encontro prévio na residência oficial do governador de Brasília, em Águas Claras, cerca de 20 secretários de Segurança aprovaram a proposta. “Essa possível recriação poderia melhor gerir a questão da segurança É esse o entendimento dos senhores?, conferiu Bolsonaro. “Exatamente”, responderam os secretários. “Então, a gente vai estudar. Estudaremos e daremos uma resposta o mais rápido possível”.
Ao admitir a possibilidade de desmembrar o ministério, outra vez Bolsonaro põe Sérgio Moro na berlinda. Foi assim com o Coaf, na disputa em torno do juiz de garantias, entre outras bolas divididas entre o presidente e seu ministro da Justiça. Rápido no gatilho, Rodrigo Maia saiu a campo em defesa da mudança, que já vinha articulando nos bastidores. “Foi um erro o fim do Ministério da Segurança Pública para o próprio governo Bolsonaro. Eu ainda não conversei com o presidente sobre isso, mas a recriação do ministério é uma sinalização positiva”.
Nos grupos de Whatsapp caciques políticos já comemoravam a nova derrota de Moro. Foram surpreendidos com a canetada do vice-presidente do STF, Luiz Fux, que cassou decisão anterior de Dias Toffoli e simplesmente suspendeu a criação do juiz de Garantias e outras medidas que haviam recebido o aval do Congresso, de Bolsonaro e de Toffoli. Ele fez isso em seu plantão no recesso do Judiciário, mas, como é relator da causa, fica a seu juízo quando o assunto será examinado pelo plenário do Supremo. Fux já resolveu fazer um calendário com audiências públicas antes de submeter a questão ao plenário.
Em sua decisão, Fux foi duro com as meias travas decididas por Toffoli para contornar supostas ilegalidades na legislação que criou o juiz de garantias, sem ter sido por iniciativa do Judiciário e sem a devida previsão legal para seu financiamento. “O resultado prático dessas violações constitucionais é lamentável, mas clarividente: transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa. Em outras palavras, tem-se cenário em que o Poder Legislativo induz indiretamente o Poder Judiciário a preencher lacunas legislativas e a construir soluções para a implementação das medidas trazidas pela lei, tarefas que não são típicas às funções de um magistrado”, criticou Fux.
A canetada de Fux foi comemorada por Moro. “Não se trata simplesmente de ser contra ou a favor do juiz de garantias. Uma mudança estrutural da Justiça brasileira demanda grande estudo e reflexão. Não pode ser feita de inopino”. Sérgio Moro aplaudiu também a decisão de Fux de promover audiências públicas, adiando sem prazo definido a vigência, o que frustra a estratégia de muitos criminalistas de bombardear a Justiça com contestações sobre inquéritos e julgamentos de seus clientes.
O establishment político reagiu. “Eu acho que a decisão do ministro Fux é desnecessária e desrespeita os outros poderes como o Parlamento e o governo brasileiro”, deu o tom Rodrigo Maia. “Instalou a anarquia judicial. Mas era previsível que Fux não deixaria Moro na mão”, atacou o ex-deputado Wadih Damous, da linha de frente do PT no combate à Lava Jato.
O fato é que, a exemplo do que ocorre desde o início do governo Bolsonaro, entre perdas e ganhos, Sérgio Moro resiste a uma ofensiva sem precedentes que, em momentos cruciais, une em um acordão meio enrustido os presidentes dos Três Poderes da República. Entra ano, sai ano, e até aqui é a mesma toada. Os alvos de investigação da Lava Jato e de outros inquéritos sobre corrupção dedicam-se em tempo integral a tentar cortar as asas de Moro e a barrar os avanços das investigações e inquéritos sobre a turma do colarinho branco. Vem mais chumbo trocado por aí.
A conferir.