O liberou geral de Gilmar Mendes durante a licença de Celso de Mello

Fecho de ouro: Gilmar cassou decisão do decano para, a pedido de Renan, aprovar inócua censura a Dallagnol e promoveu novo empate na Segunda Turma que favorece os caciques Jucá e Raupp

Ministros Carmen Lúcia, Gilmar Mendes Celso de Mello - Foto Orlando Brito

Gilmar Mendes deitou e rolou durante a licença médica do decano Celso de Mello. Desde o final de junho na presidência da Segunda Turma do STF, ele pautou em praticamente todas as reuniões recursos de políticos investigados, réus e condenados por corrupção, especialmente pela Lava Jato. Com a ajuda do colega Ricardo Lewandowski, ele conseguiu uma dezena de empates contra os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia, o que beneficiou os acusados, para deleite de uma tropa de advogados criminalistas.

A farra deve ser suspensa nessa sexta-feira (11) quando está previsto o retorno de Celso de Mello às atividades do tribunal. Nos bastidores do Supremo, a dúvida é se ele voltará com condições de saúde para retomar o comando de inquéritos ( como o que investiga a acusação de Sérgio Moro de que o presidente Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal), e participar das sessões plenárias e das conturbadas reuniões da Segunda Turma. Se tudo der certo, ele se mantém na ativa até a sua aposentadoria compulsória em 1 de novembro quando completa 75 anos de idade.

O ex´senador Romero Jucá – Foto Orlando Brito

Na reunião da turma nessa terça-feira (8), Gilmar provocou novo empate em votação que resultou na transferência da Lava Jato em Curitiba para a Justiça Federal em Brasília de um inquérito em que os ex-senadores do MDB Romero Jucá e Valdir Raupp são réus. Trata-se do mega escândalo de corrupção na Transpetro, subsidiária da Petrobras que cuida da área de transportes da petrolífera. O próprio STF havia remetido o inquérito para Curitiba depois que Jucá e Raupp, derrotados nas urnas, perderam o foro privilegiado.

A justificativa de Gilmar Mendes para essa transferência é uma salada de alegações inconsistentes. “Os crimes têm relação com fatos ocorridos na Transpetro, e não na Petrobras. E também por terem supostamente ocorrido em Brasília, especificamente no gabinete do ex-senador Jucá”, afirmou. Lewandowski também não tinha como justificar seu voto e também atirou a esmo: “Eu acho que chegou a hora de nós separarmos o joio do trigo no que diz respeito à jurisdição de certos juízos e juízes federais”.

Essas  balas aparentemente perdidas, como uma dezena de outras disparadas nos últimos dois meses na Segunda Turma, tinham  o mesmo alvo: tirar das garras da Lava Jato caciques políticos acusados de envolvimento em grandes esquemas de corrupção. Essa transferência no mínimo vai causar um grande atraso na tramitação do processo contra Jucá e Raupp,  o que certamente adia punições e facilita a impunidade.

Bolsonaro e Moro – Foto Orlando Brito

A ofensiva contra a Lava Jato, que reúne caciques políticos de todos os naipes — do Centrão ao PT e aos tucanos –, alguns ministros do STF, e o presidente Jair Bolsonaro, mira também uma suposta candidatura do ex-juiz Sérgio Moro ao Palácio do Planalto, em 2022. Por isso, já não basta reverter investigações e condenações com base nas apurações da Lava Jato , é preciso punir quem ousou investigar, conseguir provas e mandar estrelas políticas e empresariais para a cadeia. Querem a cabeça de Moro e também a do procurador Deltan Dallagnol, símbolos da Lava Jato.

Decisões de outros ministros do STF como Celso de Mello, Luiz Fux e Edson Fachin fecharam a porta para a aposta de Gilmar Mendes e do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, de uma exemplar punição de Dallagnol pelo Conselho Nacional do Ministério Público. A intenção era destituir  o procurador da coordenação da força tarefa da Lava Jato. Celso de Mello e Fux perceberam o jogo e suspenderam a pauta do tal conselho. Uma das denúncias contra Dallagnol foi apresentada pelo senador Renan Calheiros.

Renan Calheiros e Davi Alcolumbre no dia da eleição para a presidência do Senado – Foto Orlando Brito

De acordo com Renan, em uma dúzia de posts no Twitter, Dallagnol prejudicou sua candidatura à presidência do Senado, quando foi derrotado por Davi Alcolumbre. Duas em especial irritaram Renan — a adesão a um movimento nas redes sociais para que a disputa se desse em votação aberta e a afirmação de que com a eleição de Renan, “dificilmente teremos reforma contra a corrupção aprovada. Ele tem contra si várias investigações por corrupção e lavagem de dinheiro. Muitos senadores podem votar nele escondido, mas não terão coragem de votar na luz do dia”.

A rigor, uma mera descrição de fatos conhecidos de todos no Senado. Até a referência ao voto escondido, tida como depreciativa por alguns críticos, foi exposta durante a votação com o vexame dado pelo senador Flávio Bolsonaro, que apoiou Renan Calheiros por baixo dos panos, e cobrado para mostrar seu voto na segunda votação mudou de lado. O próprio Renan se queixou disso ao anunciar da tribuna, em meio à votação, que estava retirando sua candidatura.

Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes – Foto Orlando Brito

Celso de Mello trancou o processo por considerá-lo um atentado ao direito de Dallagnol à  liberdade de expressão. Na sexta-feira noite, véspera do feriadão, Gilmar Mendes acatou um pedido da Advocacia-Geral da União, alegou uma possível prescrição, e cassou a decisão do decano. O Conselho se reuniu nessa terça-feira e, por 9 votos a 1, aplicou uma inócua censura a Dallagnol — seu único efeito prático é proibir que o procurador seja promovido no período de um ano. Dallagnol nunca teve  interesse em se mudar para Brasília, principalmente agora que se afastou da Lava Jato para ter mais tempo para acompanhar o tratamento de saúde de sua filha de um ano e 10 meses.

O relator do processo no Conselho, Otávio Rodrigues, representante da Câmara dos Deputados, cujo voto foi acompanhado pela grande maioria, justificou assim sua proposta de censura a Dallagnol.

— O membro do Ministério Público deve se abster de realizar manifestações públicas de discordância inconteste a determinado candidato ou partido político, pois ao fazê-lo compromete a isenção e a credibilidade do MP perante a sociedade… Ultrapassou os limites da simples crítica. Ele atacou de modo deliberado não somente a um senador da República, mas ao Poder Legislativo, constituindo violação ao direito relativo à integridade moral de terceiros e à imagem do Parlamento.

Procurador Deltan Dallagnol – Foto Orlando Brito

Dallagnol disse com todas as letras que Renan Calheiros é investigado por corrupção e lavagem de dinheiro. O relator Otávio Rodrigues censurou o procurador por ataques a parlamentares, no caso Renan, “estigmatizados por atuarem em difíceis ambientes políticos partidários”. Um advogado de defesa do senador alagoano dificilmente faria melhor.

Para o currículo de Dallagnol, ser censurado por associar Renan Calheiros à corrupção pode até ser  uma medalha. Ele, porém, anunciou que vai recorrer ao STF. Ali é uma casa de juízes, que em tese são imparciais, mas alguns palpitam sobre tudo e qualquer coisa. Com a mudança da troca de guarda no tribunal, com Dias Toffoli passando nessa quinta-feira (10) o bastão da presidência para Luiz Fux, a expectativa é de que o recurso não vá para a gaveta e seja votado logo.

A conferir.

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