Na virada do século, com o peso adicional de milênio, o Senado protagonizou a sua maior conflagração em tempos democráticos. Uma guerra interna, estimulada nos bastidores pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, tornou-se explosiva com a descoberta de que alguns caciques manipularam uma votação que, no bojo de um escândalo, cassou o mandato do senador Luiz Estevão. Houve grandes baixas em todos os lados: tiveram que renunciar ao mandato os senadores Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho, ex-presidentes do Senado que lideravam as tropas em combate, e José Roberto Arruda, líder do governo FHC.
Todos foram abatidos a partir de denúncias confirmadas pelo Conselho de Ética do Senado. Esse grande momento de transparência sobre a vida pública, comemorado pela opinião pública, foi traumático para os que sobreviveram no Senado, inclusive para ACM e Jader que depois deram a volta por cima nas urnas e voltaram ao Congresso. “Acabou a farra”, anunciou Ney Suassuna, na época líder do PMDB, hoje suplente em exercício no Senado, com o aval do então novo cacique Renan Calheiros, preconizando o fim da temporada de autopunições pelo Senado. Ele mesmo foi beneficiado. Renan Calheiros também.
Virou jogo de cartas marcadas. Só dançou ali quem saiu do trilho e denunciou os próprios colegas, como Delcídio Amaral. O fato é que o Conselho de Ética, por mais que, nos sucessivos escândalos, alguns partidos e senadores recorram a ele, desde que Suassuna anunciou a mudança do vento passou a ser escalado como defesa saideira de senadores enrolados. Os que mandam no Senado sempre escolhem a dedo quem ali vai dar as cartas. De preferência, com muita discrição. Se impossível, protelam.
É o que agora fazem no caso do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado durante uma batida da Polícia Federal escondendo dinheiro na cueca. Ele não tem sequer como se explicar aos colegas pelo absurdo da situação. O que mais impressiona no mundo dos corruptos foi a tentativa de esconder nas nádegas uma grana que eles consideram um mero troco nas altas quantias das negociatas. Assim, ele simplesmente se entregou. Virou motivo de troça na turma em que convive e que tiraria de letra uma situação como essa.
Apesar de tantas obviedades, sempre entram em cenas outras narrativas. A dos advogados de Chico Rodrigues é de que ele teve uma reação impulsiva decorrente do reinante “terror policialesco” contra os políticos. Numa tradução livre, medo da Lava Jato. Cascata. Quando não conseguem livrar a própria mão da cumbuca em que a meteram, como na bela música de Chico Buarque chamam o ladrão. Todos os senadores sabem que se explicação houvesse já teria sido dita. O papel de alguns deles é de salva-vidas.
A boia lançada pelo senador Jayme Campos, presidente do Conselho de Ética, com o aval da cúpula do Senado, ao correligionário Chico Rodrigues para se licenciar por 120 dias, tempo em que supostamente encontraria uma justificativa para a grana na cueca, é peça de uma grande farsa. Senadores de vários naipes, com olhos em suas próprias fragilidades, temem o avanço das investigações sobre corrupção que em algum momento podem atingi-los no STF. Ainda mais depois que Luiz Fux, tido como aliado da Lava Jato, assumiu o comando do tribunal.
A licença de Chico Rodrigues, transferindo temporariamente o mandato para seu filho, em que mantém todas as vantagens do cargo, inclusive o foro privilegiado em investigações, é o jogo de sempre de simular uma mudança para preservar o status quo. A intenção da cúpula do Congresso — incluindo Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, correligionários do senador da cueca — de outros caciques políticos na mira de investigações e do presidente Jair Bolsonaro, talvez quem mais se queimou nessa história, é abafar o caso. O primeiro passo é tira-lo da pauta do plenário do STF. Roupa suja supostamente se lava em casa.
A conferir.