No final dos anos 80 do século passado, o PSDB nasceu como partido de quadros qualificados. Por causa dessa fama, mesmo quando perdeu nas urnas, seu apoio foi cobiçado por vários governos. Desde o berço vive o dilema sobre participar de algumas gestões bem polêmicas. Ainda na infância, eles só não embarcaram com mala e cuia na aventura de Fernando Collor porque o ex-governador Mário Covas conseguiu barrar a adesão na undécima hora.
Por causa das indefinições nas bolas divididas, os tucanos ganharam o carimbo de partido do mudo. Fizeram por merecer. Um de seus recentes dilemas foi sobre participar ou não do governo Michel Temer após o impeachment de Dilma Rousseff. Levados por Aécio Neves, entraram com apetite. Os escândalos que atingiram em cheio Temer e Aécio geraram outra interminável e desgastante troca de bicadas — contribuiu para o preço salgado que pagaram nas urnas.
O drama dos tucano agora é em relação ao governo Jair Bolsonaro. Caciques como Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Alckmin temem que uma parceria explícita liquide de vez o que sobrou do PSDB original. Mas é justamente essa a opção da turma liderada por João Doria que embarcou na onda conservadora e se deu bem nas urnas. Com esse cacife eleitoral, eles pretendem aproximar o partido da gestão Bolsonaro. “Essa é a orientação das pessoas de bem, sensatas, de nosso partido. O novo PSDB prega que quanto melhor, melhor. Fora do muro, fora da resistência, a favor da confiança”, defendeu João Doria nessa sexta-feira (7). Doria tem dito que para o “novo PSDB acabou o muro, não tem mais muro”.
Pelo novo modelo de gestão política, sem acertos formais com as cúpulas partidárias, nem é preciso o apoio explícito e oficial. Como fez a bancada do PSDB na Câmara na reunião com o presidente eleito, basta manifestar apoio a sua pauta legislativa. “O governo Bolsonaro vai ter apoio para tudo aquilo que é a agenda tucana, como as reformas da Previdência e tributária, e redução do estado. Não precisa estar no governo para isso”, anunciou o deputado Nilton Leitão, atual líder na Câmara.
O fato é que, pelas beiradas, os tucanos vão se ajeitando no futuro governo. Na sexta-feira (7), o deputado não reeleito Rogério Marinho, relator da reforma trabalhista na Câmara, foi anunciado como secretário da Previdência no superministério de Paulo Guedes. Como a bancada tucana na Câmara encolheu de 49 para 29 deputados, vários parlamentares que não se reelegeram podem se integrar a equipe de Bolsonaro. Danilo Forte (CE), um tucano de pluma recente, já foi incorporado ao time que vai auxiliar o ministro Onix Lorenzoni na articulação política. Na equipe de transição dá-se como certa a ida do deputado Luiz Carlos Hauli (PR), plumagem antiga, para o governo, para ajudar na reforma tributária. Júlio Semeghini (SP) foi sondado para ser o secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia. Ainda presidente do PSDB, Alckmin tem sugerido discrição aos que estão há mais tempo no partido, um pedido de licença partidária seria recomendável.
Quem chegou recente no ninho tucano nem se avexa em aceitar convites para o governo. Caso do general da reserva Guilherme Theophilo, que fez um pit stop no PSDB para se candidatar ao governo do Ceará, e vai comandar a Secretaria Nacional de Segurança Pública no superministério de Sérgio Moro. Situação também da pediatra Mayra Pinheiro, presidente do sindicato dos médicos do Ceará, que se candidatou ao Senado pelo PSDB, com o apoio do Movimento Renova Brasil. Convidada pelo futuro ministro Luiz Henrique Mandetta, ela vai chefiar a Secretaria da Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde, que cuida, por exemplo, do programa Mais Médicos.
Até caciques tucanos estão na mira. Mandetta chegou a sondar o colega Marcus Pestana — Secretário-Geral do PSDB e ex-secretário de Saúde de Minas Gerais — para um cargo no ministério. Pestana não topou. Mesmo não tendo sido reeleito, ele está pilotando uma proposta de renovação tucana que aposta em parcerias com movimentos de renovação na sociedade e outras forças de centro-esquerda.
O fato é que vai de vento em popa o flerte de setores do PSDB com o governo Bolsonaro. Ainda não se sabe se vai dar casório, o que pouca diferença faz. Nesse novo modelo de relacionamento entre os poderes em Brasília, apenas ficar é igualmente relevante.
A conferir.