O dilema do STF diante do espelho

Trocaram as bolas nesse debate. O que está em jogo no STF não é a presunção de inocência, sagrada clausula pétrea, mas a eterna impunidade dos poderosos.

Ministro Dias Toffoli - Foto Orlando Brito

Dos poderes no Brasil, o Supremo Tribunal Federal foi o que historicamente menos esteve na berlinda. Sempre foi poupado até por dar a derradeira palavra nas questões constitucionais e nas pendências judiciais. O tribunal ganhou peso, músculos e credibilidade quando, depois de décadas de cegueira, começou a se impor com condenações à corrupção generalizada nos andares de cima da sociedade brasileira.

Nove dos atuais 11 ministros do STF em algum momento participaram do julgamento do Mensalão. Alguns foram votos vencidos. A grande maioria se orgulha de ter atuado naquele episódio histórico. Uns e outros se valem dele como atestado como juízes comprometidos no combate à corrupção. Até mesmo quando o usam para justificar canetadas que param investigações, anulam outras decisões judiciais, e põem na rua corruptos de papel passado.

São decisões monocráticas, às vezes de turma, algumas com aval provisório do plenário, que apontam para um retrocesso do Supremo no enfrentamento da corrupção. Depois de ser vanguarda no Mensalão, fiador da Lava Jato, o STF voltou a ser a maior esperança dos caciques políticos de todos os naipes para brecar os processos contra os ladrões dos cofres públicos.

Manifestação em frente ao STF – Foto Orlando Brito

Essa expectativa nem se baseia nos critérios e na capacidade de julgamento dos ministros do STF. Pelo contrário. Eles têm sido, na maioria dos casos, bem rigorosos quando julgam o mérito desses processos. Ministros do STF se sentem hoje mais à vontade do que juízes de instâncias inferiores para punir corruptos poderosos.

A questão, portanto, não é a capacidade de julgar. Mas, sim, a oportunidade. Se nessa quarta-feira (23) o STF decidir que condenados em segunda instância ( o teto na avaliação de provas) só podem ir para a cadeia depois de todos seus recursos serem julgados pelo próprio Supremo é a volta da impunidade eterna. É uma jabuticaba com os ingredientes extras de uma infinidade de recursos nas diversas instâncias judiciais.

Todos os ministros do STF sabem disso. Qual deles em um processo que passou por todas as instâncias conseguiu efetivamente condenar alguém a cadeia? Paulo Maluf  foi para sua mansão em São Paulo por alegada questão humanitária. O ex-senador Luiz Estevão, depois de dezenas de recursos, cumpre a pena estabelecida em segunda instância. Quando muito, caso do Lula, os condenados com bons advogados enfrentaram a terceira instância no Superior Tribunal de Justiça.

Com essa Justiça que, para quem tem grana para contratar bons advogados, raramente chega ao final, o que está em jogo nem é a facilidade de abrir ou não as celas dos poderosos. Menos importam se são dezenas de milhares ou os cinco mil na estimativa conservadora do Conselho Nacional de Justiça. Nem ainda que, no caso específico da Lava Jato, Lula, José Dirceu, Delúbio Soares pareçam figurinhas carimbadas.

José Dirceu. Foto Orlando Brito

O que sempre esteve por trás desse debate de quando se pode começar a cumprir a pena — e os ministros do STF estão cansados de saber disso — foi o alcance dessa permissão depois que a Justiça começou a punir para valer criminosos de colarinho branco. Antes de que se mexesse nesse delicado calo, desde a promulgação da nova Constituição, isso sequer era questionado. Nem aqui e nem lugar algum no mundo.

Trocaram as bolas nesse debate. O que está em jogo no STF não é a presunção de inocência, sagrada clausula pétrea, mas a eterna impunidade dos poderosos.

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