Nas últimas reformas eleitorais, o Distritão apareceu como uma espécie de espantalho para confundir o debate e facilitar a aprovação de medidas a favor da perpetuação do poder dos donos das dezenas partidos existentes no país. Nas vezes anteriores, na Hora H, o apoio ao tal Distritão sempre foi pífio. De novo fez agora muito barulho, mas era apenas uma cortina de fumaça para que não entre em vigor nas eleições do que ano vem a proibição de coligações proporcionais — medida adotada justamente para reduzir a farra de partidos, boa parte de aluguel, que hoje somam nada menos que 33 legendas.
A malandragem pôs o rabo de fora logo no parecer da deputada Renata Abreu, cuja família há décadas criou uma legenda, rebatizada de Podemos, que segue com os mesmos donos. Em vez de cravar uma opção, ela abriu o leque incluindo alternativas contraditórias como o Distritão (em que são eleitos os candidatos a deputado mais votados em cada estado, sem levar em conta o peso de cada legenda) e as coligações proporcionais ( dois ou mais partidos podem somar seus votos para eleger seus candidatos). Tendo na pauta essa cruza de cobra com jacaré, na noite da quarta-feira (11), o deputado Arhur Lira pôs em votação — surpresa apenas para quem não estava no jogo — essa esquisita reforma eleitoral.
Como sempre, as espertezas no Congresso têm muitos pais. Em tempo recorde, o bode Distritão foi descartado e uma aliança entre o Centrão e as oposições viabilizou a aprovação por 333 votos contra 149 da volta das coligações proporcionais, cuja proibição havia sido apresentada por essa mesma turma como saneadora da proliferação de partidos, e descartada agora sem sequer ter sido testada nas eleições parlamentares. As esquerdas ensaiaram um discurso trôpego para justificar o retrocesso em suas próprias pregações nos últimos anos. ” A volta das coligações é um mal menor”, justificou o deputado Alessandro Molon, líder do PSB.
Desculpa esfarrapada. Sem os envergonhados votos das esquerdas e de outras ditas oposições, nenhuma dessas alternativas de retrocesso teria tido aval da Câmara com os 308 votos necessários para aprovação de qualquer mudança constitucional. A toque de caixa, querem confirmar a mudança nessa quinta-feira, antes que a reação da opinião pública force algum recuo. Esse filme é manjado, reprisado toda vez que se aprova nas caladas da noite malfeitos que podem desagradar a sociedade.
Essa mudança de regras é apenas o casuísmo mais visível. Essa tal reforma reduz o poder de fiscalização da Justiça Eleitoral, libera os partidos para gastarem como quiser os bilhões do turbinado fundo eleitoral,e mais uma penca de jabutis. A maioria dos deputados quer assegurar a própria reeleição, se livrar de punições por irregularidades, e não está nem aí por bandeiras como ética na política. Na régua moral deles, o que vale é a vitória; o feio é perder. Simples assim.
A única possibilidade de pôr um freio nisso, mesmo que parcial, é a rejeição pelo Senado, Casa em que os parlamentares, eleitos por voto majoritário, são mais sensíveis à opinião pública. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, chegou a expressar a posição de seus colegas de que esse trambolho, nessa sua escancarada composição, ali não passa. Os senadores vão sofrer pressão dos deputados. Tomara que resistam.
A conferir.