Nada a ver com a incompetência de sua assessoria. O presidente Bolsonaro toma decisões, assina decretos, medidas provisórias e projetos de lei sabendo antecipadamente que são ilegais, e, por causa disso, terão vida curta. Elas servem tanto como satisfação a sua base de militantes quanto moldura, quando pinça uma ou outra, para tentar convencer militares e outros alvos de sua pregação de que sua gestão está sendo cerceada pelos demais poderes.
Nesse método de governar as rasteiras não cessam nem nos momentos em que Bolsonaro, aparentemente enquadrado, reduz o tom bélico. Depois de crescentes tensões, há quase dez dias os bastidores políticos em Brasília comemoram uma relativa distensão entre os poderes. O que efetivamente mudou? Os dirigentes do Congresso e do STF, depois de conversas com o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, e alguns outros interlocutores militares, fingem acreditar que a bola baixou.
Para o clã Bolsonaro, essa aparente calmaria primeiro serviu para estimular queixas no próprio quintal. O guru Olavo de Carvalho, por exemplo, aproveitou para cobrar uma fatura ainda maior. Pelo menos seus mais leais discípulos no governo ampliaram seus poderes. A verificar o resultado da cobrança explícita de grana em seus protestos que, entre os empresários bolsonaristas, parece ter dado xabu. Não se sabe ainda o que pode pingar de dinheiro publico nos múltiplos negócios de Olavo de Carvalho.
Se baixou o tom dos discursos, Bolsonaro ampliou as maluquices em sua caneta presidencial. Primeiro tentou mudar, com a ajuda do general de plantão no Ministério da Saúde, a contabilidade de casos e de mortos pela epidemia do novo coronavírus em um golpe de mágica para reduzir seus espantosos números. Pegou mal aqui e no mundo inteiro. Resultado: desmoralizou um serviço que há décadas o Ministério da Saúde presta com o reconhecimento da sociedade, da comunidade científica e dos mais respeitados organismos internacionais. Foi obrigado pelo STF a voltar atrás, mas mesmo assim toda a imprensa hoje opta por divulgar os dados de uma apuração paralela.
O que o governo ganhou com isso? Na ótica da parcela, digamos, mais sensata do Palácio do Planalto só perdeu. Mas, na avaliação do clã Bolsonaro, serviu para alimentar em suas redes sociais o discurso para a própria militância de que a epidemia é muito menor do que a imprensa, a comunidade científica e os organismos internacionais vendem para o mundo inteiro. Quem sabe cola para quem já engole que a Terra é plana e outras baboseiras.
Mas Bolsonaro ousou mais. Nessa quarta-feira, espantou o país com uma medida provisória que autoriza seu ministro da Educação, o maluquete Abraham Weintraub, a escolher substitutos dos reitores de universidades em final de mandato país afora, a pretexto da pandemia do Covid-19. A “gripezinha” virou munição de alto calibre para a “guerra cultural”, principal bandeira do guru Olavo de Carvalho.
Ninguém em sã consciência apostaria que uma rasteira tão primária na autonomia universitária, um valor conquistado e estabelecido ao longo do tempo, poderia dar certo. Nem os broncos Bolsonaro e Weintraub. Mas a dupla bancou a MP para regozijo de seus fanáticos apoiadores. Como todo mundo, eles sabem que é mais uma medida com vida curta.
A única dúvida em Brasília é quem primeiro vai abate-la, se o Congresso ou o STF.
A conferir.