Toda reforma da Previdência sempre foi patinho feio aqui e no mundo inteiro. Daí os prognósticos de que, na Comissão Especial e no Plenário da Câmara, batalhas ferozes tornariam praticamente impossível qualquer deliberação antes do recesso parlamentar. Fracassos no passado e vacilos atuais de Bolsonaro pareciam sustentar essa impressão. Nem o excepcional desempenho da tropa de Rodrigo Maia na Comissão Especial que, com ampla maioria, tratorou as oposições e Bolsonaro, mudou essa avaliação.
Por isso, a surpresa de quem esperava um embate mais duro na sessão preliminar da Câmara nessa terça-feira à noite. Nas duas votações de requerimentos para medir forças, os resultados foram acachapantes: logo depois da meia-noite, o placar a favor de encerrar a discussão, por 353 votos contra apenas 118, mostrou o trunfo de quem precisa de 308 votos para liquidar a fatura na votação decisiva nessa quarta-feira.
As oposições ficaram meio zonzas. Depois de derrapar no Congresso com Fernando Henrique, Lula, Dilma e Michel Temer, uma efetiva reforma na Previdência está a um passo de emplacar. Ainda mais surpreendente porque avança quase à revelia de Bolsonaro. Sua principal ajuda nessa reta final na Câmara é não atrapalhar.
Mesmo assim, ele deverá sair com mais bônus que seus antecessores, que se desgastaram com o esforço pela reforma da Previdência e morreram na praia. FHC, por exemplo, perdeu por um único e incrível voto errado do deputado tucano Antonio Kandir, seu ministro do Planejamento. Lula pagou o preço pelo racha no PT, com a criação do P-Sol. Dilma expôs contradições que alimentou o processo que resultou em seu impeachment. Michel Temer, depois de tornar a reforma da Previdência carro-chefe do governo, foi atropelado pelo escândalo das gravações feitas por Joesley Batista. A reforma morreu junta.
Todos eles tiveram que enfrentar a mesma situação adversa — todas as pesquisas indicavam a rejeição popular a mudanças na aposentadoria. Mexer na Previdência virou um tabu. Esse era o principal trunfo das oposições para a batalha em plenário. Foram atropeladas pela última pesquisa do Datafolha mostrando que, mesmo por margem apertada, a maioria agora é favorável à reforma. Isso quebrou a perna do discurso das oposições em plenário. Alguns até insistiram na narrativa de que quem votar por mudanças na Previdência será punido pelos eleitores. A maioria passou a atribuir o apoio popular à reforma à propaganda do governo e ao engajamento da mídia. O povo estaria sendo enganado.
Na realidade, boa parte da oposição, em especial seus governadores, é favorável à reforma da Previdência. Vive o dilema de precisar dela para ajudar a resolver as contas em seus estados com o discurso político de seus partidos. Pior: podem ficar fora de uma mudança apenas na esfera federal. Rodrigo Maia sabe disso. É o principal interlocutor deles. Essa é uma das razões com que tem tocado, com rara facilidade, a tramitação da reforma da Previdência na Câmara. Por todo e qualquer ângulo, a conjunção astral lhe parece favorável. Enfrenta hoje seu teste de fogo.
A conferir.