Capítulos diversionistas à parte, as novelas em Brasília seguem na mesma toada. Na ribalta, que alavanca ganhos e perdas na jogatina do mercado, a reforma da Previdência e outros solavancos na economia movimentam as apostas. Nos bastidores, em todos os poderes, o pau continua a quebrar entre quem acha que a Lava Jato e seus filhotes já foram longe demais, extrapolam os limites legais, e os que avaliam que as investigações sobre corrupção dos políticos ainda têm muito a desvendar.
É uma briga de anos herdada pelo governo Bolsonaro. A temperatura oscila, às vezes ganha conotação de picuinhas pessoais, mas as brasas continuam lá. Sempre ferventes. Em 21 de março, descrevi aqui, a articulação que rolava no Congresso e no STF, com o apoio de gente do governo, para esvaziar o pacote anti-crime, devolver o Coaf ao Ministério da Economia, e anular a influência de Moro na escolha do futuro procurador-geral da República.
Parecia uma dobradinha perfeita. Dias Toffoli e Gilmar Mendes prometiam a seus interlocutores na Câmara e no Senado que o inquérito aberto no STF, a pretexto de apurar fake news contra seus ministros, daria um xeque-mate na Lava Jato. Ao fim e a cabo da investigação, seria desnudado um escandaloso projeto de controle dos poderes da República. Aquela maluquice dos procuradores de Curitiba de criar uma fundação privada com R$ 2,5 bilhões devolvidos de pilhagem na Petrobras deu ares de veracidade às paranoias supremas.
Turbinado por essa narrativa, o ministro Alexandre de Moraes pisou no acelerador, atropelou a Constituição, e censurou dois sites, monumental tiro no pé. Uma articulação nos bastidores, para reduzir os danos, deixou a questão em banho maria no STF. Para o inquérito não ser revogado pelo plenário, a tal bombástica investigação mergulhou.
Nas conversas em que ouviram de Tofolli e Gilmar Mendes a disposição de enquadrar Sérgio Moro e a Lava Jato, Rodrigo Maia, o Centrão e caciques de variados partidos se sentiram confortáveis para também partirem para cima. Havia chegado a hora da virada. O pacote contra a corrupção e o crime organizado, apresentado por Moro, seria “desossado”. Contavam, além de ministros do STF e líderes políticos, com o apoio de advogados, empresários, entidades sindicais etc.
O mundo gira, a Lusitana roda, e a encrenca continua do mesmo tamanho. Há uns 50 dias, Jair Bolsonaro disse a interlocutores que bancou o pedido de Sérgio Moro para a transferência do Coaf da Economia para a Justiça porque não tinha noção do alcance dos poderes do órgão. Nessas conversas, ele teria dado sinal verde para a devolução do Coaf, o que foi confirmado pelo senador Fernando Bezerra, seu líder no Senado e por ele próprio em conversas com jornalistas. Parecia matéria vencida.
Sérgio Moro, porém, não entregou os pontos. Manifestou em entrevistas à imprensa e nas redes sociais sua disposição de lutar para manter o Coaf na Justiça. Foi o suficiente para o o general Rêgo Barros, porta-voz de Bolsonaro, dizer que até agora o presidente é a favor de que o Coaf fique com Moro, opinião, no entanto, sujeita a revisão. Quer dizer, nem a favor nem contra, muito antes pelo contrário. Na Justiça ou na Economia, o Coaf é um órgão que vai continuar atuando respaldado em compromissos internacionais do Brasil como faz desde o governo Fernando Henrique.
Tudo indica que Moro insiste em uma briga supostamente perdida. No Congresso isso é dado como certo. Pelas contas que se faz lá, a devolução do Coaf tem o apoio dos líderes dos principais partidos e dos presidentes da Câmara e do Senado, e também dos filhos de Bolsonaro (o primogênito Flávio até hoje não conseguiu explicar o rolo identificado pelo Coaf antes mesmo de ir para a área penal). Se o Congresso não miudar, já está pronta uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que, segundo quem acompanha esse discussão de perto, já conta no no STF com o apoio de boa parte dos ministros.
Moro sabe de todas essas dificuldades. Mas ao insistir nessa disputa, ele sinaliza ao Congresso, STF, e, sobretudo, ao Palácio do Planalto, que vai jogar ainda mais duro na defesa de seu pacote contra a corrupção e o crime organizado. Se não teve nenhuma derrota relevante em um Congresso mais hostil e governos que jogavam contra, suas chances de vitória são, no mínimo, melhores. Além de procuradores, auditores fiscais e policiais federais, ele aposta no apoio da população e das redes sociais para vencer essa queda de braço.
A conferir.