Durou pouco a ressaca petista com a surra que tomou nas urnas no segundo turno da eleição presidencial. O PT e seus aliados comemoram como um bilhete premiado a aceitação pelo juiz Sérgio Moro do papel de xerife do governo Bolsonaro no combate à corrupção e ao crime organizado.
Foi o suficiente para uma versão adaptada da velha narrativa que Lula é um inocente vítima de perseguição política. Mantém o script de que tudo é culpa do Moro. As provas colhidas nas investigações da Polícia Federal, da Receita Federal e do Ministério Público, com documentos, quebras de sigilo, confissões, aceitas por duas instâncias da Justiça Federal — e mantidas pelos tribunais superiores — seriam meras trapaças de Moro.
Há aí falta de liga entre o pé e a cabeça. Esse é o problema das narrativas do PT desde que o mundo róseo vendido por seus marqueteiros desabou. Quando as multidões em 2015 começaram a cobrar nas ruas o estelionato eleitoral na reeleição de Dilma Rousseff, o PT entrou em uma encruzilhada. Sem querer, ou poder, fazer uma autocrítica e não tendo argumentos razoáveis para se defender, os gênios petistas acharam ter tirado da lâmpada a narrativa do golpe.
Um dos marqueteiros do partido disse, em alto e bom som, em um almoço com jornalistas em Brasília: ao aprovarem o impeachment, mais uma vez eles bobearam, nos deixaram com o discurso do golpe que vai arrebentar nas eleições municipais em 2016. Deu no que deu. Em vez de entender o recado das urnas, o PT interpretou que a narrativa estava certa, quem errou foi o eleitor.
Desde as investigações das denúncias contra Lula, a estratégia de sua defesa foi a narrativa de que era vítima de uma perseguição política. Essa narrativa virou fiasco nos tribunais em impecáveis julgamentos com base nos autos e nas provas. E aí Lula foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Os mais variados recursos em diferentes tribunais não reverteram essa situação. Aí a narrativa petista recebeu o adendo de que, sem Lula, a eleição seria uma fraude. Não colou nem dentro do partido.
O PT perdeu as eleições. Nem é questão de gostar ou não do resultado, essa é a realidade. Nas democracias, quem perde eleições, faz autocrítica da derrota e se prepara para novos embates. Fernando Haddad até fez um aceno nesse sentido. Foi atropelado por Gleisi Hoffmann, em nome da burocracia do partido, com a tese de que a vitória de Bolsonaro seria o ponto culminante de uma sequência de golpes iniciada com a queda de Dilma.
Com a decisão de Sérgio Moro, que agradou e desagradou a muita gente, a narrativa ganhou ímpeto e está servindo para reanimar desde já a militância para uma batalha contra um governo que começa daqui a dois meses.
Pode ser uma boa sacada petista. Mas seus riscos são grandes. A candidatura Fernando Haddad tentou virar o jogo no segundo turno batendo forte na tecla — alimentada por ameaças e bravatas autoritárias do clã Bolsonaro — de que o adversário era uma ameaça à democracia. Esse combate certamente rendeu votos para Haddad e pareceu indicar um caminho para sua oposição a Bolsonaro.
As antenas das oposições passaram a buscar sinais de opções não democráticas pelos vitoriosos. A escolha de Sérgio Moro, com amplos poderes para comandar o combate à corrupção e ao crime organizado, turvou esse radar.
Ele é um juiz que se apresenta, com credibilidade, como fiador do cumprimento das leis e da Constituição pelo governo. Isso, por si só, enfraquece ainda mais o delirante discurso petista de que o país na primeira curva volta a ser uma ditadura.
Mais que perder uma perna no discurso, o maior problema para o PT, ao mirar sua artilharia contra Moro, é ampliar o escudo de Bolsonaro.
A condução da Operação Lava Jato por Sérgio Moro, a mais bem sucedida da história do país, é admirada por muita gente que não veste a camisa de Bolsonaro. Daí o risco.
Ao focar em Moro para tentar uma sobrevida para a narrativa de Lula Livre, que não colou nas eleições, o PT e seus aliados podem estar dando mais um tiro no pé.
A conferir.