Em meados do ano passado, um acordão entre Jair Bolsonaro, Dias Toffoli e Rodrigo Maia por muito pouco não conseguiu derrubar Sérgio Moro e barrar os avanços da Lava Jato e de outras grandes investigações sobre corrupção. Em conversas no alto escalão da República nesse final de ano em Brasília, pelo menos três fontes confirmaram que, em setembro, Bolsonaro resolveu demitir Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Só não consumou o ato por causa das ponderações dos generais Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos, na época com o cacife em alta no Palácio do Planalto.
Ali foi o ápice de um movimento orquestrado por caciques políticos e ministros do STF, que obteve o apoio de Bolsonaro, para reverter “a criminalização da política”, dar um basta nos “abusos dos órgãos de investigação” e restabelecer “a presunção de inocência” para acusados por corrupção. A maré favorável ao movimento durou até sua maior vitória, a decisão do STF por 6 votos a 5 que suspendeu a autorização para que condenados após a segunda instância pudessem começar a cumprir a pena. O voto de desempate de Dias Toffoli, no começo de novembro, surpreendeu seus aliados ao devolver a bola para o Congresso. Foi o mote para que uma sequência de decisões no Congresso e no Supremo, como a reviravolta no caso do Coaf, tirasse Moro e a Lava Jato das cordas.
O jogo parecia jogado, com o sabor de empate meio amargo para ambos os lados, e os tira-teimas adiados para 2020. No apagar das luzes do ano, Bolsonaro voltou a surpreender, rejeitos os pareceres do Ministério da Justiça e da própria área jurídica do Planalto, e se recusou a vetar a controvertida criação do juiz de garantias. Além de ostensivamente puxar o tapete de Moro, Bolsonaro simplesmente ignorou o acordo firmado pelo líder do governo Fernando Bezerra com os parlamentares do grupo Muda, Senado. A turma promete um troco em fevereiro. A conferir.
Os parceiros de Bolsonaro no acordão para conter os avanços da Lava Jato vibraram com a manutenção do juiz das garantias. A vitória de Rodrigo Maia e de Dias Toffoli foi do tamanho da derrota de Sérgio Moro — até porque a disputa entre eles foi explícita. De acordo com interlocutores bem próximos, Toffoli e Rodrigo Maia não têm dúvida: mesmo com todos os riscos, Bolsonaro continua parceiro para cortar as asas de Moro e baixar a bola das investigações sobre corrupção.
A meta da turma, fixada logo no início do governo, teve como alvo tirar o Coaf do comando de Moro. O propósito agora é mais ambicioso. Está sendo costurada nos bastidores dessa nova etapa do acordão a recriação do Ministério da Segurança Pública. Tudo somado e subtraído, o maior sucesso da gestão Moro é a redução dos índices de assassinatos e de outros crimes. Nas contas que circulam entre os caciques políticos mesmo esse mérito de Moro é minimizado. A melhoria na segurança pública é atribuída especialmente ao conjunto de medidas tomadas pelo ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann.
Como tudo nos tempos atuais, virou polêmica nas redes sociais. Notas, alguns comentários postados, acabaram irritando Sérgio Moro, que passou recibo. Sábado a tarde, ele postou no Twitter: “Crimes caíram em todo o pais em percentuais sem precedentes históricos em 2019. Leio de alguns “especialistas” em segurança pública que o governo federal não tem nada a ver com isso. Dos mesmos que compunham os governos anteriores quando os crimes só cresciam. Se quiserem atribuir ao Mago Merlin, não tem problema. Os criminosos, sem diálogos cabulosos, sabem porque os crimes caem. Trabalhamos para melhorar a vida das pessoas e o que importa é que os crimes continuem caindo”.
Foi o suficiente para ampliar a polêmica. Entre críticos e apoiadores de Moro, alguns internautas cutucaram Jungmann. Um deles, Matheus Leone, escreveu: “Não sabia que você estava atendendo pelo nome de Merlin”. Jungman também aceitou a provocação e postou em seu Twitter: “Matheus, não fizemos mágica. Fizemos o SUSP, colocamos recursos permanentes na segurança pública, via redistribuição das Loterias, criamos o Pro-Segurança no BNDES e integramos as polícias em ações nacionais contra o crime. A violência no país iniciou sua queda em 2018″.
Quem acompanha esse embate pelas redes sociais pode ficar com a impressão de uma disputa pela paternidade de um conjunto de políticas na área de segurança pública que vêm dando certo. Se fosse apenas isso, problema algum. As gestões de Jungmann e de Moro são casos de sucesso.
A proposta dos caciques políticos de desmembrar a Segurança Pública do Ministério da Justiça, levando a tiracolo a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, tem o objetivo de sempre de cortar as asas de Moro e barrar a Lava Jato. Um ano atrás, a meta inicial foi o Coaf. Agora é bem mais ambiciosa. ” Vai sobrar para Moro, se ele não pedir demissão, cuidar de índios, quilombolas e gays”, prevê um interlocutor desse novo acordão.
Os caciques que apostam no sucesso dessa nova ofensiva contra Sérgio Moro e a Lava Jato dizem que, para Jair Bolsonaro, não está em jogo apenas alianças para salvar sua família de investigações sobre esquemas de rachadinha e envolvimento com milícias, mas sua própria sobrevivência política. “A politicada toda, que odeia Moro, fica no juízo do presidente, envenenando dia e noite, que ele está dando corda para Moro enforcá-lo na sucessão presidencial”. Dizem que se o presidente não reagir logo vai ser “comido por dentro” por seu ministro da Justiça.
O receio de Bolsonaro é o custo de romper com o personagem mais credibilidade e popularidade de seu governo. Sem o apoio de Moro, o sonho de reeleição em 2022 para ir pro beleléu.
A conferir.